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PROGRAME-SE: É mais desafiador produzir conteúdos para a TV hoje?

 

CARLOS QUEIROZ: Sim e não. O público hoje tem uma gama de possibilidades do que assistir e do que ver, enorme. Então, a gente tem que entender que cada canal do pay TV é um meio segmentado, um meio fragmentado. Cada canal tem um pedacinho de audiência. E ele tem que construir uma percepção para que ele seja relevante para um público que é muito específico para ele. Alguns canais têm um perfil muito mais genérico, como a Fox, que é um canal que é pra todo mundo: mãe, filho, criança, ah, neto, avô... Ah, já canais como Fox Life ou o próprio Effects, tem uma afinidade, tem um nicho um pouquinho mais importante com um determinado público. Então, as redes sociais nos ajudam a ter noção do que, do que pode funcionar, da capacidade de, de gerar envolvimento nas pessoas, mas ele também não é um parâmetro tão claro, né? Eu gostaria muito de transformar buzz, envolvimento, engajamento, tweet em efetivamente audiência, mas não é assim. Às vezes uma pequena quantidade de pessoas é tão envolvida que faz um barulho grande em termos de redes sociais, mas não consegue mudar muito a percepção de audiência. Por outro lado, os canais também estão enxergando que o número de audiência simplesmente pode não revelar tudo. Então, é uma mescla hoje em dia, de entender a reação, o envolvimento das pessoas aos conteúdos nas redes sociais, e a efetiva quantidade de pessoas que estão assistindo. Muitos temas surgem, muitos talentos surgem na internet e a gente está de olho nisso. E também a linguagem. Hoje ninguém precisa de um canal de televisão para dividir suas histórias, sua forma de produzir suas ideias hoje. O vídeo está aí, as plataformas de vídeo estão aí. Então, é um mix hoje em dia. É mais desafiador sim, ah, mas por outro lado, você tem um feedback um pouco mais direto e um pouco mais quente.

PROGRAME-SE: É possível falar em um perfil do público contemporâneo? Alguns gêneros se encaixam melhor para determinados públicos?

 

CARLOS QUEIROZ: Não existe perfil de público, existe perfil de canal. Cada canal tem um perfil de público. Não adianta a gente generalizar. O Pay TV hoje tem uma participação importante da classe C, uma classe entrante e importante, mas vale a pena lembrar que a classe C que a gente tem hoje não é a classe C que a gente tinha dez anos atrás. O brasileiro é ávido por informação, ávido por tecnologia... Como a gente viveu o Orkut, como a gente viveu as redes sociais, a gente é intenso nisso... Então, o gênero que funciona depende muito do ambiente desse canal. Os gêneros dependem muito do canal. Então, a gente entende, por exemplo, que ficção é importante, é interessante, mas não há uma receita muito de que gênero, vai depender do canal e o que que a gente está sentindo falta para que aquele canal em termos de produção nacional. Eu gostaria muito de saber o que funciona e o que não funciona, adoraria, ia me ajudar muito.

PROGRAME-SE: De que modo as transformações tecnológicas têm alterado a sua dinâmica de trabalho?

 

CARLOS QUEIROZ: Hoje a gente tem que pensar não só no que vai para TV. As tecnologias nos obrigam, como produtores e como pensadores de conteúdo, a gerar um conteúdo ao redor do conteúdo. A gente olha para uma série e ela vai ter, sei lá, dez episódios de meia hora, eu tenho que pensar neles, nesses roteiros e estar junto com a produtora parceira, com os roteiristas, com o diretor, tentar fazer disso o melhor programa, o melhor projeto para o meu canal. E além disso, agora, a gente tem pensado em cápsulas, pílulas, promos, depoimentos, teasers, pequenos vídeos para as redes sociais, fotos, porque, você conquistar a atenção das pessoas, conquistar um pouco de envolvimento, demanda outras ferramentas que antes eu não poderia contar. Então, a tecnologia me permite hoje pensar em coisas exclusivas que vão só para a rede social, para ativar aquela propriedade, para as pessoas começarem a ter uma noção. A gente constrói essa percepção da propriedade e as redes sociais têm nos ajudado muito. Além da facilidade, que hoje em dia a produção em formato digital nos traz. Antes, as produções eram basicamente cinematográficas, com uma linguagem, equipamento, muito de cinema ou uma coisa ainda da TV mais antiga. Hoje misturou tudo! A tecnologia tem um impacto enorme, tanto na feitura da produção dos conteúdos, na sua divulgação, tanto quando nos formatos que estão ao redor desse conteúdo para a sua ativação e também na mensuração.

PROGRAME-SE: É possível traçar um perfil dos canais abertos e fechados hoje?

 

CARLOS QUEIROZ: Tem alguns caminhos para a gente pensar nessa sua pergunta. A TV aberta já está sendo mais fragmentada. Lembre há dez anos atrás, na TV Globo, eu tinha jornal, novela, uma produção e fechava a noite com um jornal. Hoje em dia, na grade da TV Globo, você tem o jornal, a novela das vinte e uma, você tem mais duas, três produções, tem uma novela das 21h, 23 horas, e o jornal. Então, a própria TV aberta já está mais segmentada, já está pensando em diferentes tipos de conteúdo, não há mais esse poder de dizer “Todos vão amar essa, esse único conteúdo”. Então, ela já está mais diversificada sim. Ela tem comprado sucessos da TV fechada, o que dá certo às vezes como formato ou como conteúdo. Os Simpsons passa na Band, The Walking Dead passa na Band, a Globo já exibiu quantas séries... Há também um interesse dos realizadores que só faziam cinema também de estar junto à TV, não só TV aberta, quanto à TV fechada. O público brasileiro é muito diversificado, então, não vai existir uma tecnologia avassaladora que vai eliminar todas as outras, elas vão se misturar mesmo. O Brasil convive Flinstones e Jetsons, que estão distantes cinquenta, cem quilômetros. Vivem nesse mesmo país e terão que coexistir por mais tempo ainda. As duas linguagens, aquilo que era mais TV fechada, aquela coisa, também já começa a aparecer um pouco na TV aberta. E também vários canais têm usado de produções, de gêneros, de estilos de programas da TV aberta, para conquistar audiências, então, eu acho que os dois meios têm, são complementares, de certa forma. Não se enganem: a TV aberta no Brasil é muito boa, é muito boa. Vá assistir TV aberta na Argentina, no México, na Venezuela... É terrível. Há algum tempo atrás, o brasileiro nem precisava tanto da TV fechada. Hoje em dia não. A tecnologia, a internet, ela despertou nas pessoas e têm despertado essa ideia de que “Olha, existe um mundo de conteúdos, um mundo de possibilidades para você se envolver, que você precisa ter conhecimento pelo menos”. Então, as duas plataformas seguirão, no Brasil. A TV aberta tem a questão do ao vivo, do evento ao vivo, a questão da notícia é importante, a questão do conteúdo de ficção, você pode assistir normalmente, dentro de uma grade de televisão, mas fatalmente ele também vai estar disponível numa nova versão não-linear, numa nova versão over-the-top, vídeo on demand, onde você vai poder assistir tudo. Hoje, eu posso assistir a temporada de Tá no Ar, que já acabou, toda, em casa, no site da Globo, né? Também posso assistir no Fox Play as temporadas que eu tenho disponíveis dos programas da Fox, né? Não é uma receita de sucesso, às vezes o que dá certo em um não obrigatoriamente dar certo em outro. Como grade, acho que ainda segue sim um bom tempo no Brasil, e em paralelo a isso vão existir as opções não lineares, isso é fato.

PROGRAME-SE: A TV ainda consegue impor padrões?

 

CARLOS QUEIROZ: Impor padrões hoje em dia, numa sociedade tão diversificada, com possibilidades de estar mais informada, é mais difícil. A gente pode pincelar aí algumas tendências, soltar aí, experimentar mais. É complicado também. Cada perfil de audiência que um canal tem é construído ao longo dos ano, cada tijolinho vai formando uma base de audiência além da audiência que chega zapeando e é retida ali naquele canal. Basicamente, acho que essa capacidade de impor não vai existir mais. A gente pode lançar tendências, lançar coisas que vão inspirar outras coisas, mas comparando com o que a TV aberta já conseguiu fazer, e já conseguiu ser mandatória mesmo, comparando isso com o que a gente tem hoje, acho difícil, até porque cada canal é relevante para um tipo de público.

PROGRAME-SE: Qual a função da TV hoje?

 

CARLOS QUEIROZ: Quando a gente fala televisão, a gente fala daquele enorme aparelho, que polariza a atenção da sala ou do quarto; a gente tá falando da linguagem televisiva, que a gente vê ao longo da nossa história, ou eu tô falando, mais filosoficamente, da capacidade de transportar minha visão para dentro de conteúdos, contextos históricos, personagens? Eu tenho três caminhos, acho que a gente tá falando da mistura de tudo isso, né? O hardware, o aparelho grande que fica na nossa sala e quarto vai continuar tendo um destaque. Apesar de que hoje as pessoas são multitarefas. A tela principal ligada e cada pessoa da família na sua tela ali, então, convivem duas telas e múltiplos conteúdos no mesmo ambiente. A televisão, como linguagem, está evoluindo bastante, roubando experiências do cinema e da internet. A internet não é uma vilã, ela é um meio, ela é um trilho, ela é como a eletricidade. Ela vai gerar coisas que a gente não faz a menor ideia dessas consequências. A linguagem da televisão tem evoluído. Os projetos transmídia, que se fala tanto de projeto transmídia, é uma prova disso. Nós somos hoje capazes de nos relacionarmos com conteúdos por diversas saídas. Do livro ao jogo de tabuleiro, ao jogo de cartas, ao Play Station, à série, ao quadrinho, então, a TV está nesse contexto como uma das partes que também é ambiente para que esse conteúdo, essa coisa que não existe fora do mundo da imaginação, efetivamente exista e seja importante na vida das pessoas.

 

PROGRAME-SE: E quanto ao futuro da TV?

CARLOS QUEIROZ: Quanto ao futuro mesmo, não sei. De repente vai virar chip que implanta aqui dentro e não precisa mais de nada, já tá ali, você que escolhe ali “Eu quero assistir qualquer coisa” e vai acontecer. Então, a linguagem da TV, se a gente quiser se ater a esse tema, tá evoluindo bastante né? Eu gosto muito do que eu vejo nos canais em termos de conteúdo seriado, eu acho que hoje a gente tem vivido momentos incríveis de ver as pessoas se relacionando com as séries. Ah, podemos falar de Game os Thrones, que é um sucesso mundial, podemos falar de The Walking Dead, que é um sucesso! Quantas pessoas se relacionam com isso? Para quantas pessoas aqueles contextos efetivamente geram momentos de distração, geram momentos de projeção? Podemos falar de Simpsons, que tá chegando a sua vigésima sétima temporada, uma coisa que não tem precedentes, né? E como que a gente vai disputar a atenção das pessoas, seja na televisão grande, seja na outra tela? Como a gente vai ser capaz de dizer: “Querido, para tudo aí, me dá uns dez minutos da sua atenção, me dá vinte minutos da sua atenção”. Acho que é um desafio onde a linguagem, o meio ao redor da televisão, a internet, o vídeo normal, a televisão com grade de programação, as soluções não-lineares, como a gente vai conseguir usar todas essas saídas para continuar evoluindo, experimentando linguagens e sendo relevante para as pessoas? No final das contas, o importante, é que a gente seja importante para as pessoas, que as pessoas parem um pouco e deem um pouco de atenção para aquilo ali. E não é mais imediatista, né?  No Pay TV, especialmente, é assim. Quando você exibe a primeira temporada de uma coisa não é arrebatador, todas as pessoas não vão assistir aquilo. Um grupo vai assistir, consumir logo imediatamente, outro grupo vai ver a segunda janela de exibição, outro grupo só vai ver quando for para o vídeo on-demand, outro grupo só vai ver quando tiver de graça, disponível em todos os lugares... Então, acho que o futuro da linguagem da TV ele tem muito ainda para avançar, alguns modelos estão se esgotando, então efetivamente novidades terão que surgir.

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