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PROGRAME-SE: Qual a importância da TV no cenário contemporâneo?

 

FLÁVIA LIMA: A TV tem o seu espaço. Sempre que uma nova mídia aparece, ou surge, e começa a ganhar relevância, tem sempre essa discussão se a mídia já existente vai perder relevância, vai perder espaço, que é uma preocupação pertinente, mas que eu acho que hoje em dia a gente já entende que cada mídia acaba descobrindo qual é o seu espaço. Então, eu acho que a TV é um espaço onde você tem uma linguagem, digamos assim, mais popular, porque ela atinge mais pessoas, porque ela se preocupa em atingir um número maior de pessoas principalmente no caso da TV aberta; no caso da TV a cabo, que você tem um conteúdo um pouco mais nichado, ainda assim, o seu desejo é sempre, hoje em dia, atingir um público em geral, como a gente chama, um público-alvo amplo, por mais que eu esteja falando, por exemplo, para as mulheres, mas eu desejo é que a família se interesse por aquele conteúdo. Então eu acho que a TV tem sim o seu espaço garantido, é uma mídia que tem extrema importância para trazer linguagens novas, e é uma porta de entrada quando você quer atingir um número maior de pessoas, para experimentar conteúdos, experimentar narrativas, formatos. A TV se firma sobre esse aspecto: de ser uma mídia que congrega mais as pessoas e que tem a sua linguagem própria e que tem um alcance ainda de grande relevância frente às outras mídias que estão surgindo.

PROGRAME-SE: A TV fechada está se adaptando às grandes transformações causadas pela convergência. Quais as vantagens e desvantagens da produção para canais a cabo?

 

FLÁVIA LIMA: Acho que a TV fechada tem essa coisa de olhar mais para o público-alvo. Os canais de TV a cabo nascem já predestinados a determinado público-alvo, então, por exemplo, falando do meu caso, que trabalho no Canal GNT: nós somos um canal, de lifestyle feminino. Então a gente trabalha dentro de um segmento, pensando nesse público de mulheres, classe A/B, de dezoito anos mais. Então, a gente olha para esse público e a gente tem esse foco de conversar com esse público. A nossa fortaleza é porque quando a gente fecha um pouco mais público, você pode trabalhar o conteúdo de uma forma mais diferenciada. A fragilidade é por que infelizmente a gente ainda é muito ligado à medição de audiência, daí você acaba, como você tem uma marca editorial, não conseguindo expandir tanto seus horizontes para trazer outros públicos, experimentar outras coisas, porque você fica um pouco nesse conflito. Será que eu foco mesmo no segmento, e vou segmentar mais e vou deixar um pouco, a questão da audiência, um pouco de lado? Ou eu vou tentar falar com esse público, mas de alguma maneira ter coisas no meu conteúdo que tragam outros públicos para junto dessa minha audiência? Eu acho que aí é a coisa da fragilidade e da potencialidade. E tem uma questão orçamentária também. A gente trabalha com um orçamento mais restrito, então, todo programa que você vai investir, você tem que pensar muito, você tem muita oferta e demanda do mercado. As pessoas, as produtoras independentes te trazendo programação, te trazendo sugestão e você tem que fazer essa escolha de uma maneira muito consciente, então, eu acho que é sempre uma escolha de Sofia. É você ir falar um pouco com o nichado, é você investirde repente em mais programas, mas com valor orçamentário mais baixo e daí você talvez não invista tanto na qualidade, numa qualidade que você gostaria. Eu acho que a TV a cabo tem muitas escolhas. Você tem que estar sempre muito consciente do caminho que você vai seguir, sabendo que toda escolha tem perdas e ganhos.

PROGRAME-SE: O entretimento é o carro-chefe da programação?

 

FLÁVIA LIMA: Eu acho que a gente vem vendo uma aceleração da vida, do cotidiano, com todo o avanço tecnológico. A tecnologia nasce pra te facilitar a vida, pra você ter mais tempo de vida e na verdade, ela tem um efeito contrário. Quanto mais tecnologia você tem disponível, mais coisa você traz para fazer, porque agora você não gasta tanto tempo com uma coisa que você fazia antigamente. Então, essa aceleração, quando você vai pra TV, você realmente está num momento em que você quer relaxar. A gente vive fazendo pesquisas lá no GNT e saiu um dado muito relevante pra gente, que essa mulher que a gente quer atingir, por exemplo, o horário em que ela vai ver televisão é o horário a partir das onze da noite, quando a criança já dormiu, quando o marido já dormiu, quando ela pegou o doce dela para ela comer sozinha, em frente à televisão e ela quer ver uma boa história. Ela quer ver uma boa história, ela quer relaxar, ela quer se divertir. Então, assim, por mais que a gente queira variar os conteúdos, o formato entretenimento, a pitada de entretenimento tem que estar, porque isso atrai a pessoa. Não que a gente ache que os outros formatos, uma coisa que não seja puro entretenimento, que seja um conteúdo um pouco mais, digamos assim, informativo, educativo, não atraia, atrai. Mas a gente vê cada vez mais as pessoas buscando um escape na hora de assistir TV. Ainda mais porque hoje em dia, com todas as formas que você tem para assistir o audiovisual, né, que não é só mais a TV aberta, a TV naquele horário programático. Você pode ir para o VOD, você pode assistir na hora que você quiser, você pode deixar a coisa gravando, então ela vai assistir aquilo que realmente vai dar prazer pra ela. Eu falo muito num público feminino que é uma coisa que a gente estuda muito. Então, tem muito esse recorte: “Eu quero assistir um programa que não seja um produto que vai me cobrar, que vai me dizer que eu tenha que fazer isso, que eu tenha que malhar, estudar assim, que tenha que educar meu filho desse jeito...”. Então, assim, eu quero uma coisa que não me cobre. Eu quero pegar, assistir e eu quero poder relaxar com isso, eu quero ter um momento de prazer. O meu doce sozinha, as crianças dormindo, o marido parou de me encher o saco, entendeu, é o meu momento.  Então, nesse momento, a mulher quer se sentir contemplada. E como é que ela se sente contemplada? Tendo um conteúdo, tendo uma programação, que provoque, que dê prazer para ela, então isso é cada vez mais forte.

PROGRAME-SE: Fenômenos como a segunda tela podem se tornar atrativos para a produção televisiva?

 

FLÁVIA LIMA: Eu vejo como uma vantagem sim. Eu acho que em primeiro momento para esse formato tradicional que a gente tem de consumir TV, é um pouco assustador. Assim, qual a importância que tem uma grade de programação agora? Porque que que eu vou estudar uma grade se a pessoa chega lá e assiste na hora que ela quer, o que ela quiser, ela praticamente monta a própria grade pessoal. Mas enfim, ainda não é uma realidade brasileira, é uma realidade que aos poucos está chegando, mas ainda não é totalmente assim. Nosso país é muito grande, enfim, o que é consumido digamos aqui no eixo do Sudeste, Rio-São Paulo, ainda não é, não quer dizer que seja uma realidade nacional. É uma nova forma de a gente pensar o conteúdo audiovisual porque você não fica mais tão preso nos horários, a faixa etária que tem mais criança, então realmente se ganha uma liberdade pra você, varia os conteúdos e formatos, se você pensar desse jeito. Eu acho que a gente tá evoluindo, a gente tá dando mais liberdade pra gente ter um feedback mais direto do consumidor, e isso é importante também pra alimentar essa pesquisa pelo conteúdo, o que que realmente interessa pra quem tá do outro lado, pra quem tá assistindo. Só tem vantagem para quem é realizador. A gente ainda tá buscando esse caminho, como é que a gente lida, mas o que a gente começa a ver que é um movimento complementar. Então, assim, você já tem um certo hábito de as pessoas consumirem a TV de um jeito que é hoje, e elas vão querer ver aquilo de novo no VOD, ou elas vão deixar pra ver no VOD, mas isso não quer dizer que na semana seguinte elas não vão assistir na grade de programação. A gente começa a ver que não é assim uma coisa tão “preto no branco”: “Agora eu tenho VOD, então não preciso mais ligar a televisão, só vou ver o que me interessa, entendeu?”. As pessoas entendem isso também como um lugar onde eu vou ver uma coisa que eu não escolhi, vou ver, vou abrir e vamos ver o que está passando na televisão. É uma forma da pessoa também consumir algo que ela não tinha programado e encontrar algo de novo pra ela ver.

PROGRAME-SE: Quais os principais impactos da tecnologia na produção de conteúdos?

 

FLÁVIA LIMA: Tempo atrás, a TV era a grande tela. Você produzia um conteúdo pra TV, um formato pensado pra TV, um público X, Y e Z. Quando a internet ganhou força e os sites viraram importantes obter informações, virou quase que uma coisa complementar. Você tinha lá o conteúdo da TV, na internet você achava mais informações sobre aquele programa, reproduzia uma parte ou um trecho do conteúdo o conteúdo inteiro do que já tinha ido na TV, então, era praticamente um replicador. Hoje em dia quando você começa a pensar num programa, começa a pensar numa série, num programa, você já pensa como aquele, você pensa a TV, claro, mas, na verdade, você pensa igualmente como aquele conteúdo se desdobra em outras mídias. Então, eu tô fazendo um conteúdo, por exemplo, a gente trabalha muito lá com uma grade de gastronomia, então eu tô pensando aqui no conteúdo de gastronomia, que eu sei que eu vou fazer um canal no VOD só de receita, então eu tenho um formato aqui engraçadinho que no meio tem a receita, mas pra cá, eu vou ter uma edição que é só pra receita, então quando eu gravar, eu tô pensando na TV e eu tô pensando no VOD. E aí eu vou ter uma dica de economia doméstica, que eu vou fazer com o apresentador. Então, isso já vai para o Facebook, já vai pra chamar, isso já vai pro site do programa, então, é exclusivo da web, então você pega um conteúdo que antigamente você pensava só pra uma mídia e você dá uma importância igual para as outras janelas onde ele vai se desdobrar. E cada janela dessa tem sua particularidade. Então, o que funciona pra TV, não funciona pro Facebook, não funciona pra Instagram, não funciona pro VOD, então, hoje em dia, você não tem mais assim: “Vou produzir um programa de TV”. Você tem: “Vou produzir um conteúdo audiovisual, esse conteúdo audiovisual vai pra que tipo de mídia?”. E você saber qual potencialidade tem aquele conteúdo, porque nem tudo vai funcionar pra tudo. Tem coisa que você realmente vai investir ali para colocar umas pilulazinhas no Instagram. Ou tem um conteúdo que vai só para TV, mas é conteúdo que ele é tão rico, tão quente, que você pode usar, fazer uma ação no Twitter junto com ele e você vai ter um feedback quase que imediato da audiência. Então, eu acho que o que mudou é isso: é que você hoje em dia não pensa mais numa mídia só, você tem que sentar e quando você faz uma reunião de briefing, quando você faz uma pesquisa para um projeto, você já tem que pensar nesses desdobramentos todos, porque é a demanda que a gente tem do mercado. Isso realmente se tornou uma demanda do mercado, principalmente com o pessoal mais jovem, que é muito natural pra eles o consumo da mídia. A galera mais da minha geração, que não pegou internet, que começou a pegar, quando começou a consumir televisão, não havia esses desdobramentos, talvez um pouco menos, mas pra você se comunicar com uma audiência que tá sendo formada agora e tudo mais, você não pensa mais só no produto de TV, você dá igual relevância para todas essas janelas.

PROGRAME-SE: A TV consegue dialogar com o público de hoje?

 

FLÁVIA LIMA: Eu acho que a TV vai buscar as pessoas, por exemplo, os embaixadores das redes sociais, as pessoas que bombam nas redes sociais, a TV tenta se aproximar disso de alguma maneira... Eu acho que ainda tem um caminho pra fazer esse caminho inverso, que tinha muita coisa da TV que você jogava pra internet e tudo mais, agora tá rolando um caminho inverso, de você olhar “Puxa, essa pessoa aqui tem cem mil seguidores no Facebook e tem um conteúdo interessante que conversa com nossa linha editorial, será que a gente consegue fazer alguma coisa de TV com ela?”. Então, eu acho que tá tendo agora, essa retroalimentação: a TV tá olhando para as outras mídias que tão surgindo, as outras telas e tá fazendo, e tá tentando se apropriar disso, dentro da sua linguagem. Assim como tem coisas que realmente só vão funcionar na internet, como websérie, só vão funcionar como VOD para um consumo imediato, menor, porque a gente ainda tem muito a coisa da grade de programação, que você tem os tempos estipulados de programa. Uma coisa, uma pessoa que funciona na internet, às vezes não vai funcionar na TV porque o conteúdo dela não consegue se esticar para ela ter um programa de meia hora, que é uma média padrão de programa na TV, então, tudo bem, talvez ela tenha um quadro dentro de um outro programa. Acho que é o tempo todo essa conversa. A gente vive hoje um momento muito rico de experimentação e a gente tá entendo as características de cada janela dessa, de audiovisual. Eu acho que o que é legal e que a gente tá quebrando essas barreiras de um vim pra cá, “não, você é só da internet, você é só de TV”, não tudo pode, tudo pode acontecer desde que você ache, você adeque aquele conteúdo ao formato e à mídia que você tem.

PROGRAME-SE: E quanto ao futuro da TV?

 

FLÁVIA LIMA: Eu acho que a TV caminha para ser essa coisa assim, menos grade de programação estanque, essa coisa assim engessada, então eu tenho a terça-feira que tem saúde, a quarta-feira que tem comportamento, a quinta-feira que tem gastronomia, pra ser uma coisa mais variável, para ser uma coisa mais, até que seja programada de uma maneira mais interativa. Eu acho que a gente tenta caminhar para isso. O futuro da TV é ser cada vez mais interativo, nesse sentido de você escutar mais quem tá do outro lado e você fazer os programas cada vez mais participativos. Tem uma coisa que tem se falado muito, que é de você proporcionar experiências para o espectador, então a propaganda tá indo muito para um lado de histórias reais. Você vai falar de uma marca, mas a marca não tá vendendo um produto, ela tá vendendo uma emoção, ela tá vendendo uma experiência, ela tá vendendo o nascimento de um filho. O audiovisual caminha para tentar se conectar cada vez mais com quem tá do outro lado, que seja cada vez menos o outro lado, que seja cada vez mais todo mundo caminhando junto. O futuro passa por isso, pela TV tentar proporcionar cada vez mais experiências. Eu vejo isso de uma maneira muito clara com esse segmento de gastronomia... “Por que gastronomia faz tanto sucesso?”. Eu acho que gastronomia tem a ver com afeto, todo mundo cozinha em casa, todo mundo gostaria de fazer um prato incrível pros amigos, pra família, mas cada vez menos as pessoas têm essa chance. Assim, a vida tá tão corrida e cada vez menos as pessoas conseguem se reunir e sentar e cozinhar e então quando você vê aquilo, é uma coisa que te dá prazer, é uma coisa que você deseja, é a televisão te proporcionando uma experiência que você gostaria de estar fazendo na sua casa, que você vai fazer uma hora, mas que enquanto você não faz, você fica vidrado ali naquelas possibilidades que a TV te oferece. Eu acho que a gente caminha para isso, caminha para ter mais feedback do público, usar realmente esse feedback, ter um canal de comunicação de mão dupla e que a pessoa vai poder consumir de uma maneira muito mais particular, muito mais pessoal, de acordo com os horários dela, com a vida dela, a rotina dela, do que ela faz hoje. Com a expansão do VOD, eu acho que com o acesso, a acessibilidade ao VOD, por maior parte da população, eu acho que a gente caminha para isso.

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