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PROGRAME-SE: Como você analisa o espaço do documentário na TV?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho que melhorou bastante. Eu acho que hoje o documentário tem um espaço interessante nas TVs de uma maneira geral, principalmente na TV a cabo, que é a minha escola. Assim, eu comecei fazendo documentário para TV a cabo e, para o canal GNT, especialmente. Na verdade, quando o canal GNT foi fundado, ele foi fundado nessas bases, o documentário era a grande estrela do canal.  Hoje em dia não é tanto, mas outros canais se abriram e desde então, desde que eu comecei a fazer documentário, eu vivo basicamente de fazer documentário, então eu não posso dizer que o mercado é ruim. No meu ponto de vista, eu acho que só se amplia, cada vez mais, e agora com esses canais novos, como Canal Curta, Box Brasil. Melhorou bastante o mercado de documentários nas TVs, de maneira geral. Porque eu comecei em 1998 fazendo documentários para o canal GNT e, desde então, os canais se abriram muito para o documentário, para séries documentais, para longa documentário, inclusive não só exibindo, como fazendo parceiras, via Ancine, via fundo setorial, via leis de incentivo. Então assim, basicamente, a Modo Operante existe há dez anos e há dez anos eu vivo de fazer documentários.

PROGRAME-SE: A TV tem conseguido falar dos temais sociais?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho que os canais ainda têm muita dificuldade em alguns temas mais áridos. A gente mesmo, que é uma produtora que tem foco em direitos humanos, a gente tem dificuldade de implementar alguns temas. Várias vezes, a gente chega num canal que diz: “Ah! É muito forte”, “Ah! É muito depressivo”. Eu acho que os canais precisam amadurecer muito. A gente já produziu um projeto para o Al Jazira, por exemplo, que é um canal internacional, que trabalha com essa questão de direitos humanos, esses temas de maneira muito mais enfática e frequente.  No Brasil, para um canal aceitar um tema mais complexo, é bem mais difícil. Então, acho que a gente tá amadurecendo aos poucos, mas eu sinto uma dificuldade ainda em determinados temas. 

PROGRAME-SE: Qual é a função da TV?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho que a TV sempre tem que trazer alguma coisa nova. Eu acho que tem uma coisa na pesquisa. A gente que lida muito com os canais, eles sempre apresentam umas pesquisas pra gente: “Ó, o público, não quer assistir isso” ou “A audiência baixou porque você mostrou um tema que talvez fosse mais difícil”. Eu acho que a gente sempre tem que revolucionar o estado das coisas, e a TV tem esse papel de apresentar ao público uma coisa nova e não ficar repetindo modelo que já tá aí. Que é o modelo, às vezes, mais fácil. Então, assim, às vezes a gente tem que descer o nível da linguagem para as pessoas entenderem. Eu acho o contrário. Eu acho que a gente tem que melhorar o nível da linguagem pra que as pessoas se eduquem com a televisão. Tem aquela música que diz que “A televisão me deixou burro, muito burro de mais” e eu como trabalho muito com TV, me recuso a fazer esse tipo de programação, onde fico só apresentando aquilo que o público vai digerir de forma mais fácil. Eu acho que o nosso papel, principalmente na área de documentário, é tentar empurrar um pouco essa porta e tentar ir um pouco a diante. De trazer uma coisa nova, trazer uma perspectiva não só de linguagem, mas de formato novo, pra que o público seja provocado também, e não assista confortavelmente em suas casas aquilo que lhe é mais fácil. A TV tem essa função de provocar e eu acho que o trabalho que a gente tem feito aqui na produtora é tentar sempre ir além disso. 

PROGRAME-SE: Como é a dinâmica da produtora com as emissoras?

 

SUSANNA LIRA: Desde que a Modo Operante surgiu, a gente sempre trabalha com projetos autorais, sempre os projetos são criados aqui e a partir disso, a gente oferece para os canais. Dificilmente, acho que não me lembro de um projeto que eu tenha feito por encomenda de um canal. A gente sempre trabalha com uma pesquisa própria, com o input que a gente quer, de algo que a gente queira falar sobre aquela realidade. Então a gente embala sim, com o formato do canal. Por exemplo, se for para um canal a cabo, tem que ter um público feminino, a gente vai embalar de um jeito. Se for para um outro canal, com uma coisa mais jovem, a gente só embala de acordo com o canal que a gente vai oferecer, mas a ideia é sempre nossa. É sempre algo que a gente quer dizer, e esses financiamentos vêm através direto do canal ou através de editais. A gente entra em praticamente todos os editais abertos, e, isso é principalmente a fonte aqui de arrecadação, de captação de recursos dos nossos projetos.

PROGRAME-SE: As leis de incentivo têm sido importantes para a consolidação do mercado?

 

SUSANNA LIRA: Bastante. Eu vivi uma época antes da Modo Operante que eu trabalhava também em uma produtora em que era bastante difícil essa questão do mercado. Os canais, eles tinham um poder muito grande em relação às produtoras, tanto no conteúdo, quanto nos valores, quanto em relação a direitos patrimoniais, e a lei que está em vigor hoje é uma lei que facilita muito isso. Permite que a gente tenha mais autonomia, mais independência. E que a gente consiga realmente ter uma relação de igual pra igual com os canais. Eu acho que melhorou muito isso. Tanto em relação ao que a gente propõe, as condições de trabalho, acho que melhorou significativamente. A gente, há cinco anos, tinha X projetos, hoje a gente tem quatro X projetos na produtora. Então, aumentou o volume, melhoram as condições de trabalho, e eu espero que essa lei seja eterna, assim, porque é o que dá condição da gente manter essa estrutura, manter equipe, enfim.

PROGRAME-SE: Quais as potencialidades e fragilidades da TV aberta e da TV fechada?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho assim, a TV aberta, em relação ao mercado de produção independente, ainda é muito tímida a maneira como os canais abertos se relacionam com as produtoras. A gente tem duas, três produtoras que conseguem fornecer para os grandes canais de televisão. E há um medo, uma insegurança ainda de lidar com produtoras independentes naquele âmbito. Infelizmente com essa crise, eu acho que isso vai mudar bastante. As grandes corporações estão diminuindo a sua folha de pagamento, sua folha de funcionários, infelizmente. Mas eu acho que isso vai melhorar muito a produção independente. Acho que, de uma certa maneira, os canais vão ser obrigados, e eu digo isso os canais de TV aberta, a se relacionar com mais frequência e mais fluência com as produtoras independentes. Então, eu acredito que isso venha a melhorar, e eu espero que melhore. Porque hoje não é uma coisa ainda, digamos assim, comum. A gente tem claramente três ou quatro produtoras, no máximo, que lidam com os canais de TV aberta.

 

PROGRAME-SE: A gente pode falar que a TV a cabo está mais aberta ao novo?

 

SUSANNA LIRA: A TV a cabo no Brasil surge com escritórios pequenos e com essa missão de se relacionar com produção independente. Mas o que que acontecia antigamente? Eles compravam muito conteúdo internacional. Então eles iam pras feiras e compravam séries inteiras por valores muito baixos. E aí, comparativamente ao que se fosse produzir no Brasil, não valia a pena pra eles produzir uma série de treze episódios com a gente e comprar uma na estante de uma feira. Então, essa relação que era complicada. Tinha que ser uma super série, tinha que ter um elenco incrível, tinha que ter um tema maravilhoso pra gente conseguir emplacar uma série numa TV a cabo. Hoje em dia não. Hoje em dia com essa lei que obriga a produção de conteúdo nacional, isso facilitou muito. Então, de dez anos pra cá, ou de cinco anos pra cá, a coisa melhorou bastante assim.

PROGRAME-SE: Qual é, então, o papel da TV diante da convergência?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho que a gente tem que se preparar para o fim dessa mídia. Infelizmente. Eu acho que a TV, cada vez mais, eu não sei aqui quantos de vocês assistem televisão. Eu tenho uma filha de dezoito anos que não assiste nada na televisão. Mesmo os programas que estão na televisão que ela gosta, ela assiste depois na internet. Então, assim, as séries que a gente assiste, a gente assiste em plataformas, até às vezes usando a televisão, mas via internet. Eu acho que essa geração como a minha, que começou a trabalhar com televisão, já tem que se reinventar. Eu tô num momento que eu tenho que pensar que esse veículo televisão tá mudando e ele já mudou. Às vezes eu vejo assim: “Tirou um programa do ar porque estava com baixa audiência”. Eu não acho que os programas estão caindo audiência, eu acho que as pessoas estão parando de assistir televisão. E a gente como produtor de conteúdo, tem que se preparar para essas novas mídias. Agora, a produção de conteúdo nunca vai acabar. Tanto aí que tem essas plataformas como Netflix e outras. A gente tem que se preparar pra falar pra esse público com essa linguagem.

PROGRAME-SE: A TV está conseguindo dialogar com o público de hoje?

 

SUSANNA LIRA: Eu acho que ainda não. A gente ainda tá num momento bem crítico de transição desse diálogo entre a TV e esse público. Eu acho que tem coisas, por exemplo, que as vezes nos pedem, por exemplo: “Ah! Você vai fazer um programa e ele vai pra internet”. Eu acho que não é essa maneira de que se faz transmidia. Eu acho que a transmidia é uma linguagem que a gente precisa aprender a fazer. E pensar os projetos dessa forma, já na origem do projeto. O que hoje eu vejo muito é assim: o que você exibiu na televisão, você automaticamente coloca na internet, mas eu acho que a gente tem que pensar em novos formatos e novas linguagens, para isso, de fato, ser uma coisa transmídia. Então, a gente está vivendo um momento de transição, ao meu ver ainda bastante crítico, onde a televisão ainda está brigando com essa baixa audiência, e não percebendo o quanto a internet está ganhando de volume, de conteúdo, quanto se assiste nessas plataformas novas. Acho que é uma questão de tempo pra eles se ajustarem. Porque as organizações que hoje administram as TVs, elas vão migrar para a internet ou pra outras plataformas de uma maneira natural. Esse momento ainda não é um bom momento. Eu acho que demitem equipes inteiras de programas, que eu acho que funcionariam muito bem, por exemplo, numa plataforma virtual, e não naquele modelo de TV. Então, eu vejo que a TV tem erros e acertos, sendo uma coisa que todos nós, inclusive aqui na produtora, a gente tem muita dificuldade de conseguir criar projetos com essa natureza transmídia, tão específica. Porque a gente vem de uma escola, eu, por exemplo, eu aprendi a funcionar dessa forma. Então, mesmo pra gente aqui, a gente tem uma equipe muito jovem aqui na produtora, exceto eu, claro. (Risos) Mas que tenta pensar dessa forma e ainda é um momento difícil. A gente ainda está aprendendo.

PROGRAME-SE: Você acredita que os conteúdos tendem a ficar mais transmidiáticos?

 

SUSANNA LIRA: Com certeza. Os conteúdos tendem a ficar mais transmidiáticos e a gente vai ter que ser mais criativo pra atrair a atenção do público. Porque isso, na internet, é uma disputa: qualquer pessoa criativa publica uma coisa e se aquilo foi feito de tecnicamente perfeito ou não, atrai audiência, independente de qualquer coisa. Então, a gente tá repensando esse modelo. E nós mesmos que trabalhamos, que temos essa preocupação técnica, estética, a gente tem que pensar em conteúdos criativos para atrair isso. Senão a gente vai ficar no caminho.

PROGRAME-SE: Então talvez o desafio não seja o meio, seja o conteúdo ainda?

 

SUSANNA LIRA: Eu tenho fé que o futuro é cada vez mais investir em conteúdo. Eu acho que a gente tem que se aprimorar nas linguagens, nos formatos, mas se o conteúdo é bom, ele vai ser bom em qualquer plataforma. Ele vai atrair o público de qualquer jeito. Desde que você capte com um celular, com uma super câmera de alta definição. Se esse conteúdo não é bom, não adianta você preparar, produzir uma super, exibir isso numa super emissora, entende? Por isso que às vezes eu vejo assim, vídeos que se tornam virais que são feitos de formas tão precárias. E se de fato a gente quer audiência, a gente tem que aprender a lidar e reconhecer o que é um bom conteúdo. Se é audiência que a gente quer. Se a gente tem outros objetivos, como ensinar ou ser didático, aí é outra coisa. E a gente como produtores também, vamos ter que aprender a reconhecer esses conteúdos e pensar, criar isso de uma maneira mais constante.

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