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PROGRAME-SE: Qual o papel da televisão e da telenovela em meio à convergência?

 

THELMA GUEDES: É muito difícil. Não é porque que a gente trabalha nisso que a gente tem essa resposta. Aliás, eu gostaria muito de ter todas essas respostas para esse momento que a gente está vivendo. Quando a gente está vivendo um momento, você está dentro desse olho do furacão, você não tem muito condição de projetar, ver exatamente o que tá acontecendo e projetar esse futuro e entender. Eu acho que mais tarde, daqui a alguns anos talvez, a gente olhando pra trás, entenda o quê que está acontecendo, porque eu acho que as coisas estão acontecendo de uma maneira muito rápida. Coisas que a gente projetava, pensava que iriam acontecer por conta dessa tecnologia, estão acontecendo de maneira muito diferente. Ninguém podia imaginar, em determinado momento que o futuro, por exemplo, seria essa televisão por demanda. Esse fenômeno não se pensava dessa maneira. Então tem muita coisa acontecendo de uma maneira muito rápida. Por outro lado, eu acho que tem uma passagem. A gente está vivendo um momento em que muita coisa está acontecendo e quem trabalha nisso, percebe com muita clareza. Mas o telespectador, esse consumidor do produto cultural, o que ele quer são boas histórias. E sempre, o que ele quer exatamente, o que ele sempre quis, são as boas histórias. E eu acho que, nesse sentido, a telenovela, e quando eu escrevo, eu penso nisso, ela tem este papel. Se você pensar em números, milhões de pessoas assistem. Quando se fala assim: “Ai, tal novela é um fracasso”, aí você vai ver, são milhões de pessoas assistindo todas as noites aquela novela. Então, eu acho que ainda, é, acho que ainda é um meio de comunicação que ainda, se comunica mais rapidamente, ao mesmo tempo com muita gente. É essa imagem de uma pessoa contando uma história, as narrativas, que são as novelas. Com essa multidão de pessoas em volta sempre me vem a imagem dos velhos contadores, narradores que estivemos sempre, desde o começo do tempos. Eu sempre brinco, é isso, eu me sinto, quando eu vou escrever uma novela, a minha missão e me coloco nesse lugar, de um velho narrador em volta da fogueira, contando para sua comunidade histórias. Essas narrativas, tem um papel, eu acho, sempre tiveram, de fazer com que as sociedades se reconheçam. É com que esse grupo de pessoas que estão, neste planeta, nesta história deste planeta, naquele momento juntas vivendo a mesma realidade como uma comunidade. E essa comunidade tem uma língua que a unifica, costumes, hábitos, histórias. Então, eu acho que o papel da telenovela continua a ser, pode ser que um dia mude, mas nesse momento continua a ser a dessa contação de histórias, dessa narração de histórias que faça a comunidade se reconhecer. Essa comunidade conhecer seus hábitos.  Eu gosto de séries americanas, inglesas, gosto de cinema argentino. Mas eu eu acho que tem um valor que talvez as pessoas não pensem quando criticam inclusive a telenovela. Eu sou uma brasileira que tem a minha cultura, os meus costumes. Eu tô conversando com pessoas que podem se identificar e que me dão resposta imediata. Porque eu vejo, por exemplo, a questão da audiência, eu vejo dessa maneira. Eu tô me comunicando, eu tô falando, e eles estão dizendo pra mim: “eu não to gostando disso”. Nós já temos uma história da telenovela brasileira.  Grandes autores como Janete Clair, Dias Gomes. Existe uma influência muito grande, na verdade eu acho que é uma troca, é um espelho. Você, espelho que você vê e o telespectador, o receptor, ele devolve para você. E é muito imediato. E quando rejeita porque não gosta, porque não entende, porque não se comunicou, você não trocou, você falhou em algum momento, a gente não pode dizer que a falha é do receptor. Eu acho que se há uma falha, é de você entender essa comunidade naquele momento. Mas evidente que eu sei que isso está mudando. E esse papel fatalmente vai se modificar. Mas eu acho que ainda estamos em um momento de transição. Eu acho que ainda tem um papel muito importante na vida das pessoas de se reconhecer, de contar, mesmo que esses comentários hoje em dia sejam feitos dentro do Twitter, dentro do Facebook, dentro de outras redes sociais. E que eu estou presente, eu quero estar, quero me comunicar com essas pessoas. Agora o que vai ser daqui pra frente, vamos caminhando, vamos encontrando.

PROGRAME-SE: É importante acompanhar o retorno do público nas redes sociais?

 

THELMA GUEDES: Acho crucial. Quando eu me afasto do receptor, eu não consigo ver muito sentido de eu estar falando, pra quem eu estou falando? Se eu não estou falando pra quem tá lá no Twitter comentando. E eu faço uma coisa que é muito engraçada. Por exemplo: eu estava escrevendo “Joia Rara”, eu jogava lá “Joia Rara”, e via quem estava falando da novela, aí se a pessoa estava falando bem, eu falava: “Oh, que legal que você gostou, e tal.”. Se estava falando mal: “Por que que você está falando isso?”. Aí era muito engraçado, porque as pessoas diziam: “Thelma Guedes está falando comigo!” (risos), e eu “Estou sim! Por que não, né?” Assim você mantém a coisa viva e eu acho que a graça desse trabalho meu é essa! O que fica divertido, desafiador, estimulante para o meu trabalho é trocar! Eu sempre brinco que uma obra que a gente faz, é uma carta que você envia, que às vezes a pessoa recebe e gosta. E as vezes o correio falha. Então é uma carta viva, né? Que a pessoa pode me responder na hora! Eu acho muito legal. Eu acho que é fundamental e eu tenho um apreço, não sei qual palavra pra dizer isso... mas assim, uma obsessão que eu tenho de estar conversando com o jovens, porque eu acho que eles são o presente, são o futuro e eu quero estar com eles até para a minha obra não envelhecer, eu não envelhecer. Eu quero estar pulsando. Eu estou sempre atrás do novo.  Eu trabalho com a Duca. Tenho escrito as novelas com ela. E na televisão, o nosso trabalho é junto e a gente tem essa vibração. A gente quer tá fazendo. Não acredito nessa coisa do novo! Eu acho que a gente sempre está fazendo alguma coisa que já foi feita. E o novo é o jeito de você contar. É o jeito de você lidar com essas pessoas. Eu, inclusive, procuro o que tem de mais antigo nas narrativas, que é a humanidade, que é onde nós nos reconhecemos como humanos.

PROGRAME-SE: A cobrança do público está ficando cada vez maior?

 

THELMA GUEDES: Eu ouço as pessoas falando dessa cobrança maior. Mas, assim, ao longo da minha vida inteira, inclusive como telespectadora, eu sempre vi que havia por parte do telespectador brasileiro, que assiste muito novela, uma cobrança. A cobrança pode estar diferente hoje em dia, gente fala da agilidade da, da narrativa. E eu acho que é uma cobrança muito válida. Eu acho que tem que ser feita. Eu, como telespectadora, me coloco nesse lugar como também. Eu tô aqui dando o meu tempo, a minha atenção e eu quero o melhor. E o que eu sinto é isso, assim, quando tem algum problema, a falha é de quem fez. Alguma coisa ali você não conseguiu captar. Você não fez com muito entusiasmo, em alguma coisa você não acompanhou, ou você puxou de mais, você foi muito, e eu não me coloco nesse lugar de quem está ensinando alguma coisa para o telespectador. Eu quero saber exatamente onde esse telespectador está pra estar no lado dele. Claro, se puder contribuir com alguma coisa nova, com alguma questão, que, que algum momento alguém também me abriu a cabeça num livro, por exemplo, ótimo. Mas eu tenho também que respeitar o ritmo dessa pessoa. Por que, por exemplo, tô falando isso porque a gente fala que quando você escreve uma novela, você não está escrevendo só para o menino de vinte anos, que já está acostumado com uma questão social ou moral. Você está falando para uma senhora de noventa anos também, aliás, ela é uma grande telespectadora sua! Então por que que eu não vou respeitar essa pessoa? Então eu vou colocar com carinho, vou devagar. É uma coisa com a qual eu me preocupo.

PROGRAME-SE: Na atualidade, está mais difícil escrever novela?

 

THELMA GUEDES: Eu acho que assim, sempre teve uma dificuldade. E talvez esteja mais difícil, um pouco. Primeiro, as pessoas entendem mais de novela, diante de um leque tão grande de possibilidades, que antigamente como entretenimento não tinha, você tinha o cinema e tinha a televisão. Tinha a televisão aberta. Quantos canais temos hoje? Quinhentos? Com certeza, o receptor ficou mais exigente, mas é um desafio que no final das contas eu acho legal. É bom, pra você também não se acomodar e fazer qualquer coisa e achar que você é um gênio. A gente está sempre procurando melhorar, com medo de errar, arriscando também. Se você também fala com muita rapidez, a estrutura é muito rápida, muita gente não entende, aí fica difícil. Aí, todo mundo fala “ah! Pera aí, as cenas tão muito rápidas! Não dá pra entender”. Enfim, ficou mais difícil, mas acho que ficou mais instigante, mais desafiador. E a gente que está nesse negócio, entra é pra isso mesmo, né? Acho que é bom que a gente se renova.

PROGRAME-SE: Como funciona geralmente o trabalho com o colaborador?

 

THELMA GUEDES: Tem gente que não trabalha dessa maneira. Mas eu acredito que que fica melhor. Que fica mais plural. Fica mais vivo. Quando você escreve sozinha, há uma tendência, por mais que você se preocupe com isso, há uma tendência de os personagens falarem do mesmo jeito. Só um exemplo mínimo. E então a riqueza desse trabalho, juntando tudo, colocando, dando uma harmonia, harmonizando tudo, inclusive para que essa obra seja de fulano de tal com a colaboração dessas pessoa. Tem que ser uma coisa que realmente tenha liderança. Alguém coordenando esse trabalho. Alguém harmonizando, fazendo com que aquilo tenha uma cara. Então, eu acredito no trabalho em equipe, mas eu acredito que esse trabalho em equipe tenha que ter uma gestão, uma boa gestão. A Duca e eu temos essa qualidade de saber como harmonizar isso, como fazer essas vozes se tornarem uma voz só.

PROGRAME-SE: Quais as principais dificuldades na escolha dos temas das novelas?

 

THELMA GUEDES: Eu acho que o problema não é o tema. É de como o problema chega nas pessoas. Como você coloca esse tema. Eu acho que sempre quando você coloca com muita verdade, muita humanidade, ele é compreendido. Não tem, não tem muito jeito. Vou dar um exemplo, não gosto de ficar citando, porque eu cito um e não cito outro, mas eu vou citar, porque para mim é muito exemplar disso. A novela do Walcyr [Amor à Vida], a questão do beijo gay, que todo mundo no final tinha torcida, inclusive as pessoas mais conservadoras numa torcida para que o beijo gay acontecesse. E que na verdade, o grande lance não foi o beijo gay, o grande lance foi a cena seguinte, que foi a cena final em que o pai aceitava o filho. Primeiro, o beijo foi feito de maneira muito bonita, corriqueira, doce. Um casal que se dá um beijo pra sair, como eu dou no meu marido. A gente não sai dando beijos. Beijinho. E você sela ali uma relação de intimidade, de cumplicidade, de amizade que o casamento é, que o amor é. O grande lance mesmo é a questão humana, a questão da homossexualidade que se coloca hoje é a questão da humanidade. São seres humanos que se gostam, e tem o direito de se relacionar da maneira que quiserem. Se é aprovado pelos dois, se os dois se amam, o que está em pauta não é a homossexualidade. É o amor. Então, eu acho que quando se coloca isso, com esse peso da humanidade, você dissolve toda a reação contrária. Mas quando você coloca isso de uma maneira pesada e de uma maneira impositiva, aí difícil para a aceitação. Isso é só um exemplo, tem muitas outras questões. A gente tem que se preocupar de falar com amor, ter um pouco de amor pelos telespectador. Ele percebe, ele sente. Quando ele é tratado de uma maneira, se não com amor, mas com respeito. É alguém que eu quero que leia a minha carta. Pra que que eu vou escrever e colocar na televisão se eu não quero que gostem do que eu faço, né? Eu não quero impor que gostem de mim. Eu quero que gostem pela empatia que tem em relação ao meu trabalho.

PROGRAME-SE: O consumo de séries está alterando o modo de o público consumir TV?

 

THELMA GUEDES: Na hora da criação, tenho que me sentir livre pra criar, acreditar, confiar na minha intuição, na minha comunicação mais direta e menos estatística com as pessoas. Claro que as pessoas estão consumindo um produto novo, nem tão novo assim, mas que vem ganhando força. Eu achei que depois de Dexter, o que vem? Aí vem outra mais bacana. Eu falo “Puxa! Mas os caras conseguem, né?”. E com um leque diferente. Game of Thrones, House of Cards, só pra dizer umas que foram, que eu me viciei nelas. Então, evidente que a gente tá disputando com esse leque. Agora, não sei também que camada, se é todo mundo. Uma coisa eu sei: quando a novela é muito boa ela vai ao ar e a pessoa para de assistir o Dexter e vai ver a novela. Então, assim, eu acredito muito que, pode ser que mude, que vá acontecer essa mudança, que as pessoas deixem de assistir novela no futuro, mas no presente, o que eu percebo é que uma boa novela junta as pessoas, faz todo mundo falar. O último grande que a gente viu, o boom, foi Avenida Brasil. E modéstia parte, Cordel Encantado, que é uma novela das seis que foi um momento feliz. A gente percebia que o jovem assistia. Os homens assistiam. Até por causa do cangaço, de uma coisa meio do nosso faroeste. Quando tem uma novela muito boa, tem um personagem que faz um sucesso. O comendador, por exemplo [da novela Império]. Todo mundo EStá falando até hoje [2015] do comendador. Então, eu acho assim, que as pessoas assistem, a coisa repercute, aí todo mundo para de dizer que a novela vai acabar. Eu lembro que em mil novecentos e setenta e pouco, outro dia eu achei um artigo dessa... não sei aonde, fuçando na internet, em que as pessoas estavam discutindo o fim da telenovela. Quer dizer, num momento que era o auge, que ainda estavam construindo esse império da novela, havia alguém falando do fim. Mas a gente sabe que o público brasileiro ainda é noveleiro. Pode ser até menos um pouco, mas essa transição vai demorar muito. Ou, e possivelmente seja isso que vai acontecer, vai mudar o jeito de se ver novela. Eu torço pra que a novela brasileira tenha bastante fôlego, porque gosto muito de seriado, mas eu acho que é muito importante que a gente tenha um produto nosso. E o nosso seriado, por mais bacana que seja, né? Assisti recentemente “Amores Roubados” “Dupla Identidade”. Outro exemplo de sucesso de novela é “Verdades Secretas”! As pessoas estão assistindo naquele horário, a audiência é grande porque o produto é bom, é interessante, é instigante.

PROGRAME-SE: Enfim, como pensar o futuro da telenovela?

 

THELMA GUEDES: Acho que a gente não tem que ficar preocupada com isso. Eu não quero ficar preocupada com isso. Eu quero ficar velhinha com cem anos, espero chegar até lá, escrevendo não sei se novela, folhetim, sei lá o que, eletrônico, não sei que jeito vai ser! Há uma coisa que é nossa e que é do ser humano que é a questão de, narrar, ouvir narrativas, para você se compreender, pra você entender o seu lugar no mundo. Quem sabe contar história, quem quer, quem gosta, sempre vai existir nessa comunidade. Agora, o jeito de chegar, de trocar essa narrativa, é que vai mudar. As narrativas vão ser contadas, as narrativas vão ser ouvidas e é isso que é importante. Eu tenho que me preocupar em estar presente. Ouvir o que está acontecendo com as pessoas desse mundo, e indo junto para falar pra elas, para contar para elas. Na verdade eu sou como o Ganesha, o deus indiano. Eu fiz sânscrito, gente, por isso que eu estou falando isso (risos). O Ganesha é o cara que conta pra humanidade o que é a humanidade. Então eu quero ser, continuar sendo esse, essa pessoa.

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