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PROGRAME-SE: Qual a importância da TV?

 

RUBENS POZZI: Acho que a televisão mudou muito. E muito rápido, que antes era aquela coisa de décadas atrás, do aparelho na sala que agregava a família, todo mundo sentava ali no mesmo sofá pra ver o mesmo programa, e dar risada e ter um pouco de entretenimento, informação. E hoje, se a gente colocar aí uma diferença de quatro décadas, a televisão é, por algumas pessoas, recebida como um mal em casa, que desagrega a família. Pela oferta de programação, de diferentes perfis, novela, entretenimento, esporte. Cada pessoa tem uma televisão no seu quarto, então a família acabou. A televisão, hoje, a gente pode falar, que ela, que ela tomou conta de uma parcela, que antes era dividida entre leitura, entretenimento fora de casa, no teatro, no estádio de futebol, na própria rua. Ela aglutinou tudo isso aí, e uma pessoa hoje facilmente não precisa sair de casa pra ter uma experiência cultural, uma experiência musical, esportiva, até educacional, didática. A pessoa não precisa mais sair de casa. Se ela assina uma TV a cabo, se ela tem um serviço de VOD, se ela gosta de, de novela. Ela tem tudo ali na frente dela, no controle remoto.

PROGRAME-SE: O esporte é uma força para a programação televisiva. Como analisar a importância dele em meio à convergência?

 

RUBENS POZZI: No esporte, a TV sofreu esse mesmo impacto. Acho que mais da parte exterior, do que da televisão. A televisão também tomou esse consumidor de esporte. A pessoa que achava bacana ir para um estádio, que achava legal passar o domingo dela fora de casa para ver um jogo, seja ele de futebol, vôlei, o que seja, ou viajar pra fazer alguma coisa, ela teve na televisão uma coisa muito mais cômoda, que ela pode ter muito mais opções, escolher, se for o caso, pagar pra isso, que é o pay per view. Por outro lado, a televisão se popularizou muito outros esportes, fez com que as pessoas conhecessem a nossa grande matéria prima, por exemplo, que são os esportes americanos. É uma coisa que praticamente não se via, ou se o via muito pouco. Hoje você tem acesso a esses esportes, você tem acesso às regras, como funcionam diversos campeonatos de um mesmo esporte americano, outras ligas. Então, a TV, para o negócio da TV, ganhou muito com isso.

PROGRAME-SE: Quais as principais mudanças que a tecnologia trouxe para sua rotina de trabalho?

 

RUBENS POZZI: Olha, quando eu comecei a trabalhar nem internet existia ainda. Era o fax, o telex, que a gente achava uma coisa espetacular. Mas com a vinda da internet, das outras plataformas, a gente deixou de ser um repórter de televisão, um editor de texto, um produtor para m programa específico. A nossa profissão se tornou muito mais dinâmica. Você não é um repórter que só segura um microfone e vai pra rua fazer uma matéria. Você está lá e tirou uma foto com o celular, botou uma legenda, aquilo lá já está na home da ESPN, já virou uma chamada, um link no Watch ESPN, que é outro serviço, outra plataforma, pra você acessar o site, que já vai te chamar para matéria que você tá fazendo ali, que vai entrar à noite. Então, a gente deixou de ter uma função específica na TV, o que eu acho que é muito bacana, porque você às vezes, num mesmo lugar, consegue informar muito mais gente, você consegue abastecer muito mais plataformas, o que antigamente exigia ter uma pessoa da rádio ali, uma pessoa da TV com quatro ou cinco, profissionais de câmera, iluminação, assistente de áudio. Hoje com esse negócio do repórter, do vídeo repórter, você é uma banda de um homem só, você está lá, você gravou, você editou, você fez o texto, apareceu ali, entrou ao vivo. Os equipamentos hoje, muito pequenos viabilizam entrar ao vivo em qualquer horário da programação. Então a nossa profissão ganhou muito mais agilidade. A gente ganhou muitas outras funções além da de repórter, mas a coisa ficou muito mais viva, muito mais dinâmica, que é o lado bom. Somos profissionais muito mais completos hoje do que éramos dez, vinte anos atrás.

PROGRAME-SE: A TV está conseguindo dialogar com um público mais exigente?

 

RUBENS POZZI: Essa é uma discussão e uma preocupação diária que a gente tem, em como ficar a cada dia mais próximo do fã de esportes, que é como a gente chama essas pessoas que assinam os canais ESPN. A gente começou com uma experiência pequena, na época do fax ainda que o pessoal mandava para participar da nossa programação. Depois disso, foi criada uma área específica na ESPN, de mídias digitais, para estreitar esse relacionamento com as pessoas. Hoje, quem assiste à ESPN pode participar pelas mídias sociais: Twitter, Facebook, mandar um e-mail, tem gente que até liga pra lá pra pedir, pra fazer uma pergunta, essas coisas. A gente teve uma experiência breve e rápida com o WhatsApp, que não funcionou muito bem, por questões locais, legais, e até de filtragem mesmo, do que chegava. Mas hoje é imprescindível, se você não está ouvindo a pessoa que está consumindo o que você faz, você não conseguir deixar ela satisfeita, consequentemente você não vai ter audiência. Hoje, comercialmente, tudo gira em torno da audiência e quanto mais você falar o que elas querem ouvir, ou pelo menos, falar o que elas não gostariam de ouvir, mas precisam ouvir, é muito interessante. A pessoa hoje em dia é isso: você pode até falar mal do time dela, mas se ela tem a voz dela ali expressa no programa, se ela ver que a mensagem que ela mandou foi lida, pode ter certeza que você ganhou aquele cara, por mais antipático que tenha sido o seu, que tenha sido o seu posicionamento em relação àquele assunto. Então a participação, a interatividade hoje, ela é essencial, ela é um combustível para o que a gente faz, ainda mais com uma programação que oitenta por cento dela, da programação diária hoje, é feita ao vivo. Se você não tiver ali falando do que realmente interessa, o que é relevante, e com a participação das pessoas, você não tem muita longevidade não.

PROGRAME-SE: O esporte, por utilizar mais a programação ao vivo, tem vantagens em relação aos outros conteúdos?

 

RUBENS POZZI: Eu acho que sim, porque a produção de um programa ao vivo esportivo, não que seja barata, mas é menos cara que uma produção ao vivo dramática. Um programa esportivo, você escolhe bem os seus convidados, escolhe bem o teu casting, a produção em si, é menos custosa. É claro que a gente tem repórter espalhado no Brasil inteiro, na Europa, nos Estados Unidos, mas não se compara a você fazer um outro tipo de programação. A oferta de eventos esportivos é enorme. Então, você pode ter um campeonato de futebol europeu, um campeonato de futebol sul-americano, que o fuso permite você passar esses dois campeonatos sem interferir no horário, então você vai ter dois jogos no meio da tarde, você vai ter um jogo à noite, você pega uma transmissão de vela ou de tênis, que você tem uma grade que vem da madrugada para parte da manhã, então você tem como compor uma grade de vinte e quatro horas com oitenta por cento dela ao vivo, com eventos ao vivo que você não precisa necessariamente estar em loco. O esporte te proporciona isso, de você ter esse cardápio, desde que você tenha também um orçamento bom pra poder comprar isso, mas você tem um cardápio praticamente vinte e quatro horas ali, se quiser, de botar o evento ao vivo, que, segundo pesquisas, estudo bastante apurado que a gente já vem recebendo, o evento ao vivo chama bastante atenção das pessoas, saber que aquilo ali tá acontecendo naquele momento, de não saber quem vai ganhar aquele jogo, seja vôlei, seja golfe, seja o que for. A facilidade de se fazer isso é maior que um canal vinte quatro horas de jornalismo, ou um canal é, ou de entretenimento.

PROGRAME-SE: A linguagem do repórter esportivo está mudando?

 

RUBENS POZZI: Está mudando mais por causa das faixas etárias. Eu acho que isso influi bastante. As faixas etárias fizeram naturalmente com que a linguagem fosse mudando. Antes a gente fazia esporte para quem? Para o pai de família? O cara que gostava de assistir um jornal sobre esporte, gostava de se informar, era uma coisa muito parecida com o jornalismo de noticiário, do hard News. Tá a pessoa falando séria ali, num enquadramento parado, fixo, sem muita mudança, sem muito humor, sem, sem ironia às vezes ou sem uma opinião divergente e forte, e isso aí foi mudando. Quando a televisão começou a ver que tinha essa possibilidade e começou pela não informalidade, mas pela coisa mais leve do esporte, foi um laboratório legal que depois que começou não parou mais. Você vê que hoje em dia os cenários de programas esportivos, que os de jornalismo diário também passaram a fazer também, a usar, são estúdios cada vez maiores, com uma interatividade do apresentador, com uma interatividade do comentarista, gente em pé, gente usando uma tela de touch pra explicar. Antes o que se usava pra explicar uma jogada de futebol é a mesma tecnologia hoje que eles tão usando pra explicar o aumento da inflação, a meteorologia. Então, isso aí foi uma coisa bacana, uma influência legal que o esporte percebeu, começou a fazer, e a prova de que deu certo tá no outro jornalismo, que não é esportivo, que começou adotar essas coisas e até essa informalidade. Quando que a gente ia ver no Jornal Nacional o pessoal se chamando pelo apelido ou fazendo uma brincadeirinha? Isso veio pelo esporte, e também, claro, por uma demanda, por um espaço que abriu, que as pessoas começaram a se sentir muito mais tranquilas e muito mais à vontade em consumir essa informação desse jeito.

PROGRAME-SE: Como você analisa a relação entre jornalismo e entretimento?

 

RUBENS POZZI: Jornalismo esportivo hoje é entretenimento. É entretenimento. E aí está a nossa maior missão e talvez, a nossa maior responsabilidade, de não deixar que o entretenimento engula a imparcialidade, engula o posicionamento sério do que é, legal, ilegal, mas, mais importante do que é moral ou imoral. Às vezes uma coisa até é legal, mas ela é imoral e é isso que a gente não pode deixar que o entretenimento faça com a gente. Você achar, por querer agradar um público, por querer fazer média com uma entidade que organiza o campeonato de maior audiência que você tem, você deixar o entretenimento passar por cima disso. Talvez a nossa grande missão seja essa, não deixar que o entretenimento que hoje é o carro-chefe do jornalismo, seja ele esportivo, ou não, deixe você botar um pano quente ou tapar o Sol com a peneira em relação a esses assuntos.

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