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PROGRAME-SE: Quais os maiores desafios para fazer telejornalismo hoje?

 

RICARDO BOECHAT: Encontrar uma linguagem, um conteúdo, que reconheça a existência dessas mídias tão variadas, tão acessíveis, tão difundidas, tão pulverizadas, que hoje dominam o mercado da comunicação, dominam cada vez mais espaços no mercado da comunicação. Encontrar um tipo de jornalismo que, de alguma forma, assimile aquilo que essas mídias podem produzir e fornecer para qualificar o noticiário, dinamizá-lo, torná-lo mais ágil, mais instantâneo, é, mais informativo em última análise.

PROGRAME-SE: Quais as principais mudanças que você pode destacar em sua carreira, em decorrência das transformações tecnológicas?

 

RICARDO BOECHAT: Bom, é importante chamar a atenção quando você fala ao longo da minha carreira, ao longo da minha carreira eu notei coisas que foram muito decisivas para o dia a dia dos jornais e da apuração de notícias, que não tem nada a ver com a internet. A discagem direta à distância, que te liberou da, da telefonista de interurbano, para você fazer uma simples ligação para Brasília, por exemplo. O advento do computador, a mecanização do processo de redação e de edição, tudo isso teve pouco a ver com a internet como é vista hoje, um meio de comunicação e de interação, e mais com o processo de produção mesmo. Essas foram etapas importantes, que agilizaram enormemente nosso trabalho, dentro das redações. Eu não chego a falar numa língua, numa mudança de linguagem, propriamente porque se você olhar, o noticiário, ele é expresso ainda da forma que ele era expresso nos anos sessenta, com o advento da televisão. Você pegar um telejornal hoje e compará-lo com um telejornal dos anos sessenta, você tem basicamente a mesma estrutura: um ou dois apresentadores, lendo uma introdução, a qual se segue uma imagem com texto e áudio do repórter ou do ambiente externo, do depoente, no caso. Hoje você tem mais ou menos a mesma coisa. Mudou o cenário, mudou a roupa, mudou o corte de cabelo – para quem tem cabelo -, mudou a maquiagem, mudou a iluminação, os cenários ficaram futuristas e tal, mas nós continuamos lendo uma cabeça para dar uma introdução a uma sequência em imagens, depois volta para nós outra cabeça, outra sequência de imagens. Portanto, do ponto de vista da linguagem, mudou pouco. Da linguagem falada, no jornal, mudou pouco, e da linguagem editada também, mudou pouco. O conteúdo é que, aos poucos, vai se apropriando do que as mídias eletrônicas vão produzindo individualmente. Hoje, uma pessoa com um simples celular é uma central de televisão de antigamente. Ela filma, ela sonoriza, ela edita, ela qualifica a imagem, melhora a qualidade da imagem e principalmente, fundamental, ela difunde essa imagem. Ela tem conexões que lhe permitem colocar numa rede global uma imagem que ela fez dentro de casa, praticamente no mesmo instante que essa imagem, portanto, esse fato, foi colhido. É, o que é que os jornais, os telejornais mais pesados, mais lentos e não onipresentes, porque ninguém é onipresente, estão fazendo? Estão tentando capturar esse conteúdo produzido paralelamente pelas mídias individuais, pelas mídias sociais, que eu chamo de individuais porque cada um tem a sua. Elas se tornam mídias sociais porque todo mundo compartilha, mas, no fundo, a produção é individual, individualíssima. Você não tem um grupo de pessoas fazendo imagem com um celular, você tem cada pessoa fazendo imagem com um celular. Então, na soma das mídias individuais, também chamadas de mídias sociais, tão produzindo um conteúdo jornalístico que revoluciona o processo de apuração. Na sua velocidade, na sua abrangência, na sua multiplicidade. E os telejornais estão fazendo uma abertura cada vez maior a esse chamado conteúdo externo. E nem podia ser diferente.

PROGRAME-SE: Como você analisa o perfil do público contemporâneo?

 

RICARDO BOECHAT: Ele é mais volátil, ele é mais ávido por mudanças repentinas, ele quer agilidade. Ele quer rapidez no processo e no trânsito das imagens e das informações. Embora eu ressinta muito de jornais mais cadenciados e mais comentados, que eu acho que pegariam, capturariam uma boa parcela do público, porque, se por um lado, esse processo de captura do fato, ele se pulverizou e se tornou muito instantâneo, muito em tempo real, por outro lado, também, há uma ausência de análise em torno desse conteúdo que é exibido pelas televisões. Esse conteúdo é jogado sobre o espectador todos os dias, em milhares de minutos, em milhares de horas, centenas de horas e não há um processo analítico, um processo comentado daquilo que está sendo exposto, daquilo que está sendo apresentado. Eu me ressinto um pouco da ausência desse papel interpretativo dos personagens que ancoram os telejornais.

PROGRAME-SE: A internet está alterando o comportamento do público?

 

RICARDO BOECHAT: É claro. Tem um velho jargão que eu gosto de repetir que é o seguinte: o grande telejornal da história da televisão brasileira, comparado a sua época, não é, não é o Jornal Nacional, como muitos, até mesmo da minha geração e das gerações que sucedem a minha, são levados a crer, porque ele é um jornal, é um telejornal hegemônico já há muito tempo. Mas antes da existência do Jornal Nacional, o grande telejornal do Brasil era o seu Repórter Esso, que tinha um peso, para a época, ainda maior do que o Jornal Nacional tem para a sua época, para hoje, né, para o seu tempo. O seu Repórter Esso tinha um bordão, que era: “O Seu Repórter Esso: testemunha ocular da história”. Outro dia, coisa de um ano, um ano e meio, eu tava pensando sobre esse bordão e me ocorreu que, em quarente e cinco anos de jornalismo, eu nunca fui testemunha de nada. Os fatos nunca foram presenciados por mim, como não são presenciados pelos meus companheiros de redação. Não tem nenhum jornal que seja testemunha ocular da história. A testemunha ocular da história é o cidadão que está no local onde o avião cai, onde o prédio desaba, onde o assalto acontece, é a vítima do fato, é a testemunha. Essa é a testemunha ocular da história. O que é que essas testemunhas fizeram ao longo do tempo, dos tempos? Relatavam esses fatos para os telejornais. Davam o seu testemunho a um terceiro, que eram os jornalistas, aos telejornais, e estes então trabalhavam a notícia e faziam aquilo que era uma prerrogativa única até então, que era a difusão dessa notícia, ou seja, a capacidade de tornar um fato que você testemunhou, compartilhado, em algo compartilhado por milhões de pessoas não estava ao teu alcance. Nem você, nem teu vizinho, nem teu pai, nem teu irmão, nem tua namorada, ninguém podia fazer isso. Hoje, todos vocês podem fazer. Todos vocês podem capturar esse fato e torná-lo um fato público, e torná-lo um fato difundido em escala planetária. Ora, é evidente que isso altera o tipo de relação que o público tem com o conteúdo que ele recebe. Ele não é um mero receptor de conteúdo, ele também é um gerador. Cada um de nós se tornou gerador de conteúdo com capacidade, com potencial de difusão. Isso me faz muito mais crítico daquilo que tão me apresentando como conteúdo produzido por terceiro. Ao mesmo tempo, propicia para os telejornais a oportunidade única, sendo profissionais como são, de organizar a exposição desse conteúdo de maneira racional, de dar-lhe credibilidade, em função de checagens, apurações e fazer aportar trabalho de pesquisa, de aportar trabalho de memória, né, e principalmente, que não fazem infelizmente, porque tudo isso eles fazem de alguma forma, numa medida maior ou menor, mas principalmente a portar opinião, portar análise. Esta etapa é a etapa que eu acho que resta fazer e não é feita. 

PROGRAME-SE: É possível pensar que, futuramente, a grade de programação vai deixar de ser importante?

 

RICARDO BOECHAT: Eu diria que as coisas vão se adaptando. Eu não gosto muito de dizer que alguma coisa vai sumir, porque já disseram que tanta coisa ia sumir e essas coisas estão aí até hoje bombando. O rádio, por exemplo. Tudo vai ficar com um determinado nicho, tudo vai ter um espaço. Esses dias eu estava vendo uma palestra, ouvindo uma palestra, e o cara falando exatamente que, daqui a vinte, trinta anos, não é que a televisão como está hoje sendo feita vai desaparecer, tudo que está sendo feito hoje vai desaparecer. A internet, como é feita hoje, vai desaparecer, vai ser uma bobagem. E ele olhava para o passado para poder enxergar esse futuro. Então, ele diz que num determinado, num determinado horário, num determinado tempo, ele falou que o teatro correspondia a setenta e quatro por cento da oferta de diversão que a população dispunha. E hoje essa oferta está representada pelo teatro, em menos de, acho que dois por cento ou quatro por cento. Ou seja, era uma forma de comunicação que predominava sobre as demais, porque as demais simplesmente não existiam, e que surgindo outras, produziram novas eras, novos domínios. O rádio produziu isso numa era. A televisão produziu isso numa era, acho que hoje tem menos expressão, na distribuição, no espectro dos produtos que a população procura quando quer se informar, se divertir ou ver alguma coisa, outras mídias entraram. Então, eu tenho a impressão de que a televisão terá que se adaptar a essa relação, perderá expressão na forma como é feita hoje, que é inevitável, mas não desaparecerá, no sentido assim de sumir, como sumiu o telégrafo, por exemplo, entendeu? Ela apenas mudará a sua, a sua paisagem, a sua roupagem, a sua configuração, o seu conteúdo talvez, a sua proposta. Talvez passe a ser uma coisa mais interativa, mais doméstica, é, mais, é, de serviço, de instrução, de didática, pode ser, não sei... não sei o que vai ser.

PROGRAME-SE: A TV contemporânea consegue dialogar com o público?

 

RICARDO BOECHAT: Eu tenho impressão do seguinte: conseguir, de uma certa maneira, consegue, mas nós estamos abaixo de um padrão internacional. Eu vi coisas mais avançadas fora daqui, quer dizer, programas mais interativos, de fato, que cedem um pouco algumas barreiras que separam esse público e essas mídias da mídia convencional. E que se apropriam mais desse conteúdo tentando uma linguagem nova. A gente aqui, as experiências são muito incipientes nesse sentido ainda. Mas é hoje algo muito mais do que jamais foi, quer dizer, é algo que tá crescendo. Hoje você assiste um telejornal, você vê muito conteúdo resultante de mídia social, de produção de terceiros, que não são profissionais. É o cara que flagrou uma briga dentro do metrô, é o cara que flagrou um acidente de lancha, na praia, é o cara que flagrou um lance num estádio de futebol que não, que não aconteceu no campo. Hoje, nada passa despercebido, nada passa sem ser capturado, não existe mais o segredo, não existe mais a área isolada, não existe mais a, a individualidade, a discrição, quer dizer, hoje, você dentro de um elevador, você está no mundo. Dentro de um elevador, você está no mundo. Tem um negócio que tá filmando, que tá sendo capturado por uma tela na portaria do prédio, tá sendo armazenado, e que pode ser convertido para a internet em fração de segundos, então, não existe mais a possibilidade que as coisas aconteçam, salvo em rincões isolados, em regiões inóspitas, e tal, mas não existe, cada vez existirá menos a possibilidade de que coisas aconteçam sem ser documentadas. E em sendo documentadas, serão difundidas. Em sendo difundidas serão capturadas por todas as mídias que disputam conteúdo, e a televisão é uma delas. Então, é, eu tenho a impressão de que a televisão não, não desaparece, mas ela rapidamente está já demonstrando que, que as barreiras que a separaram historicamente de qualquer outra mídia de, de qualquer outra forma de interação, estão caindo, forçosamente estão sendo, na verdade, derrubadas.

PROGRAME-SE: As redes sociais têm alterado de forma intensa a rotina de todo mundo. Qual o impacto disso para a exposição da vida do profissional de TV?

 

RICARDO BOECHAT: Bem, isso é inevitável. Mais exposto, eu estou mais exposto. O jardineiro que cuida aqui dos jardins da Band também tá. É, de uma forma todos estamos sendo mais cobrados. As pessoas públicas, numa escala maior, do que as pessoas não-públicas, mas todos nos tornamos pessoas públicas, numa certa medida, em função desse fenômeno da proliferação das mídias portáteis, né? O cara tá andando com um celular cento e cinquenta, duzentos reais, sei lá quanto custa o celular mais barato, dotado desses apetrechos, ele tá levando, na verdade, uma central de televisão na mão, algo que antigamente só grandes grupos possuíam. Redações maiores que essa que você viu aqui tinham que existir para sustentar e dar conteúdo a isso. Hoje o cara com aquele celular, ele posta o que ele quiser. Eu comecei a fazer há pouco tempo, poucas semanas [2015], o Facebook, porque a Band entendeu que era preciso fazer porque havia quatro ou cinco Facebooks falsos e tal. Eu nunca dei bola pra isso, como tenho Twitter hoje que não é meu, tem duzentos mil seguidores, eu acho ótimo. Alguém quer se passar por mim e fica lá fazendo conteúdos que as pessoas curtem. Para mim não tem, não haveria problema nenhum em que os Facebooks continuassem lá fazendo esse trabalho pirata, mais meritório, em meu entendimento. Mas a Band quis organizar os Facebooks do grupo e eu passei a fazer um Facebook oficial, já tá com quinhentos mil seguidores e uma interação muito, muito elevada. Eles que têm me chamado atenção para esse fato, de que não se trata do número de seguidores, propriamente, mas da quantidade de compartilhamentos e curtidas que cada post recebe e a taxa de compartilhamentos, no meu caso, está muito acima da curva. Isso evidentemente te coloca mais exposto. Te eviscera mais. Agora, não raro, eu estou num momento de lazer, com a minha família, e me ocorre que ainda não botei no Facebook nas últimas dez horas. Então, a cabeça passa a funcionar numa outra sintonia. No fundo, no fundo, acaba sendo uma apropriação do tempo de ócio pelo tempo de trabalho. Pode ser uma equação ruim, em última análise.

PROGRAME-SE: O que você espera da TV do futuro?

 

RICARDO BOECHAT: Quanto à TV do futuro, eu gostaria de ter mobilidade. Isso já existe hoje. As minhas filhas manipulam a televisão de uma maneira que eu não consigo acreditar. Eu não entendo como elas conseguem fazer. Tá vendo um filme e de repente ela quer ver uma cena novamente e ela vê novamente a cena que já passou. Ela, vai sair com a gente, tá no meio de uma coisa que ela tá vendo, ela aperta um botão e vai ver essa coisa mais tarde. Eu queria poder ter a capacidade de lidar com equipamento com esse domínio técnico, para poder tirar do meio tudo que ela já me oferece de comodidade nesse aspecto. Ou então que a televisão atue, me, me ajudando em coisas domésticas. Quando eu tiver em casa, ela me dá o sinal de que eu tenho que fazer uma determinada coisa, esse tipo de coisa, quer dizer, aquele aparelho que eletrizou gerações e ainda numa boa dose funciona como lâmpada para pirilampo, esse aparelho ganhar vida no sentido de poder ser um elemento atuante e interativo cada vez mais. Tem a internet das coisas. Eu não sabia da existência desse termo até o dia em que eu ouvi em um seminário, a internet das coisas. Uma geladeira que diz que você não comprou alface. Acho que a televisão, explorando esse campo, é a televisão que eu acho que vai me agradar.

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