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PROGRAME-SE: Qual a importância da TV hoje?

 

DÉBORA GARCIA: Essa é a pergunta de um bilhão de dólares. Porque é uma indústria que certamente tem um papel definidor da cultura nos últimos cinquenta anos, desde que ela foi instaurada e começou a florescer, não dá pra gente pensar o mundo contemporâneo sem pensar a televisão, mas nesse momento eu acredito que é o momento de ruptura de certos modelos e de entrada meio que a contragosto, meio que pelo prazer, meio porque não tem outro jeito, de outras telas e de outras formas de acessar conteúdo. Então, a TV, que por muitas décadas foi preponderante, foi líder absoluta, entrava nos lares de todas as pessoas, com uma eficácia gigantesca, com um apelo, com paixão, com tudo mais, hoje ela não é, vamos dizer assim, ela não nada sozinha. Ela tem que olhar para os lados e perceber novos entrantes, novos competidores, de lugares talvez um pouco inusitados. Há dez, quinze anos talvez um concorrente da TV fosse a internet, eu me refiro especificamente à internet. Por que a gente continua tendo as mesmas vinte e quatro horas no dia, os seres humanos continuam pautados por essa divisão de tempo. O tempo não aumentou, mas aumentaram as telas. E os conteúdos, e os produtores de conteúdo também se multiplicaram. Então, essa mudança toda certamente vai fazer com que o tempo dedicado à TV, que antes era bastante intenso, passe, e a gente já vê isso em muitos dados de pesquisa, em comportamentos de audiência e tudo mais, que esse tempo passa a se restringir ou passa a ser mais alternado com outras mídias, quando não, concomitante com outras mídia. Você tem lá, você tá vendo um programa na TV e tá com o computador no lado, com o iPad, tá com o celular, e tudo mais, quer dizer, a sua atenção fica difusa. Então, eu acho que a TV ainda tem um papel grande, sobretudo, eu vejo, na transmissão e no agregar de pessoas para grandes eventos, sobretudo os eventos que acontecem naquele momento e precisam ser transmitidos ao vivo. Então, por exemplo, quando a gente pensa numa Copa do Mundo, nas Olimpíadas, no Pan, numa final de um reality de música ou qualquer coisa do gênero, não tem outra, ainda não consigo ver outra mídia que não seja a TV, com todo um aparato fazendo aquilo acontecer e conseguindo transmitir em tempo real para os seus telespectadores. Assim, a gente não conseguiria fazer isso com os celulares, não conseguiria fazer isso com equipamentos mais leves e tudo mais, então ainda tem uma necessidade muito grande, sem contar os custos de você colocar um circo armado para a transmissão desses grandes eventos. A TV ainda conta com um fôlego pra estar colada nesses grandes eventos, e talvez sem um grande competidor, não sei o que acontece no futuro, mas por enquanto, acho que a TV ainda tem esse lugar muito reservado. E eu estava pensando também outro dia, eu acho que a TV tem um lugar de afeto, né? Estou pensando agora do ponto de vista pessoal, e porque também eu fui criada numa sociedade que consumia TV como quem consome água, comida, e tudo mais, fazia parte do dia a dia. Às vezes é confortante você chegar em casa e você saber que alguém programou a sua vida, que você não tem que ficar lá olhando palavra-chave, pulando de link pra link, abrindo várias telas. Se você gosta de determinado conteúdo, de determinado canal, alguém já fez uma programação que faz sentido, uma coisa conduz a outra, as coisas acontecem num certo tempo pré-determinado, então, de certa maneira ajuda a organizar a experiência de consumir um conteúdo audiovisual. Ao passo que se você fica aleatoriamente na internet buscando coisas, óbvio, você vai encontrar coisas, mas é uma busca meio randômica. Você vai esbarrando aqui e ali e a TV te dá uma certa ordem. Então, nesse ponto, eu acho que ela também tem um papel interessante. Não quero dizer que seja maior que as outras telas, ou melhor, mas é um papel bem identitário, que cabe bastante à TV.

PROGRAME-SE: E quanto aos desafios para produzir conteúdos na contemporaneidade? Quais os principais?

 

DÉBORA GARCIA: Eu diria que os conteúdos, justamente porque agora a gente compete com canais no YouTube, com produtores de conteúdo que fazem suas gracinhas, suas histórias com telefone celular, postam numa rede social e aquilo toma uma proporção gigantesca, você compete com isso também, porque as horas continuam as mesmas, as mesma vinte e quatro horas para consumir isso, então, a TV, ela precisa encontrar um lugar, que é o lugar da contação de história, na minha percepção, do que se chama no mercado de storytelling. As boas histórias sempre terão espaço. E as boas histórias eu não me refiro somente à ficção. Você pode ter boas histórias no jornalismo, ter boas histórias num talk-show, num, num reality. Contar algo que cative, que inspire, que aproxime o telespectador, é uma habilidade que a TV tem. Sempre teve e acho que continua tendo e é possível que aprimore essa capacidade no futuro. Mas eu acho, é preciso também um cuidado com a rapidez que esse conteúdo é entregue. Que hoje, se você demora, sei lá, um ano, para gerar uma série de ficção e você tem lá treze episódios, se você não pensar na cauda longa dessa série, é muito dinheiro investido, muito investido e você pode morrer na praia porque alguém criou um canal de humor no YouTube com muito menos recurso, muito mais rápido, e já tá bombando, e você fez ali todo aquele processo gigante, custoso e tudo mais e não conseguiu ter esse alcance tão, tão imediato. É preciso aliar o storytelling com a rapidez na produção e na entrega desse conteúdo com algum projeto, mínimo que seja, de cauda longa. Ok. Esse conteúdo foi exibido na tela da TV, mas ele também tá disponível em outras modalidades, né?  Ele vira um pacote que você pode acessar via internet, num site... Você pode ter a gamificação desse conteúdo, ser transformado em estratégias de jogos envolvendo os telespectadores para que eles continuem consumindo aqueles conteúdos a partir de outras estratégias, enfim, é pensar um pouquinho mais fora da zona de conforto, que é meramente produzir um conteúdo de TV, colocar no ar e achar “Pronto, meu trabalho tá feito, já foi né?”. Hoje é preciso ir além, ter uma composição de estratégias pra que esse conteúdo tenha uma vida mais, mais fértil.

PROGRAME-SE: A transmídia tem sido uma linguagem de grande penetração?

 

DÉBORA GARCIA: Pensar a TV e suas outras dimensões, não sei se isso configura transmídia necessariamente, é uma necessidade, mas é importante que não seja as outras dimensões somente porque elas estão na moda, somente porque todo mundo está fazendo, mas tem que fazer sentido, né. A gente às vezes aqui, no Canal Futura, recebe às vezes essa encomenda de parceiros ou pessoas que tão trabalhando com a gente: “Ah, vamos pensar num projeto transmídia”. E a minha resposta, porque trabalho com conteúdo, é sempre: “Mas por quê? Por que que tem que pensar um transmídia, só porque todo mundo tá fazendo?” Porque às vezes tem um conteúdo que ele pede novas telas, ele pede para estar em outros lugares, tem outros conteúdos que não. Então, você vai ficar lá gastando um tempo para chegar numa solução que de repente vai naufragar ou não vai chamar tanta atenção. O fato de ser, de estar em outras telas além da TV, não é garantia de sucesso, mas só fazer TV também, deitado em berço esplêndido, não pensar em outras formas de entrega, também é, no mínimo preguiçoso. Então, assim, é uma tentativa de aliar a necessidade com a pertinência. Um conteúdo se for pertinente para outras telas, faz sentido, senão, fazer uma boa contação de história, ter uma história boa, um personagem bom, uma captação bacana, que você já tem aí pelo menos meio caminho andado pra chegar no coração de algum telespectador, ou de algum, vamos dizer assim, de algum consumidor de mídia, porque telespectador ainda pressupõe o lugar da TV.

PROGRAME-SE: Quais as principais mudanças causadas pela tecnologia em sua rotina profissional?

 

DÉBORA GARCIA: Bom, já começa com a área que eu passei a cuidar e que eu não liderava há cinco, seis anos atrás, até por que essa área não existia, que é a área de mídias digitais. Essa área foi implementada no Futura, a gente tinha já um site, mas era um site com teor bastante institucional, e a gente foi percebendo que primeiro não era só site, era preciso estar presente nas redes sociais. Também tem o advento das redes sociais, nesses últimos, nem sei dizer, seis, sete, oito anos mais ou menos por aí. E a gente começou a surfar também nessa onda, então precisava, era preciso que a gente gerenciasse a nossa participação nesses ambientes, além de pensar um site um pouco mais interativo, um pouco mais robusto, com mais funcionalidades, com mais serviços e pensar o conteúdo já no nascedouro, ou seja, ao escrever um projeto de programa de TV, que dispositivos ou que mecanismos seriam utilizados em outras telas. Então, isso mudou muito. Dez anos atrás, vamos dizer assim, eu pensava o programa de TV. Quando muito, uma ação de mobilização, ou uma implementação presencial, numa perspectiva mais educativa de uso daquele produto. Hoje, a gente pensar um produto e não imaginar a liberação de direitos para que ele possa estar também na internet, e eventualmente ser baixado, porque também é uma necessidade, sobretudo em espaços educativos, não só ter acesso ao conteúdo, mas poder voltar a usá-lo quantas vezes quiser, ter essa facilidade, isso mudou desde a parte contratual, na hora que a gente vai estabelecer os contratos, na hora em que a gente vai pedir autorização para as pessoas que tão participando do vídeo, na hora da entrega. A produtora que entrega um conteúdo para o Futura, na hora de entregar uma mídia para exibição na TV vai pensar também em outras mídias, para que possa ser imediatamente colocado nas redes sociais. Isso tem a ver com plataformas de relacionamento com o público, tem a ver com, enfim, uma série de acordos que a gente passou a fazer com as instituições que trabalham com a gente para que elas rapidamente nos procurem nas redes. Tem a ver com o fato de a gente ter lançado programas do Futura primeiro no web e depois na TV, então, meio que invertendo um jogo clássico, né, que é você estreia na tela e depois vai para outros espaços, a gente tentando ver como seria essa comportamento, se a web chamaria pra TV e vice-versa, como é que seria essa entrega de um para o outro. Então, é uma transformação que eu diria que é no dia a dia mesmo de trabalho. Hoje a gente não consegue mais conceber, pensar um produto sem imaginar como é que a performance desse produto nesses outros espaços, até por que também, no caso do Futura, a gente não tem uma medição minuto a minuto, né, dos programas que a gente exibe. A gente tem uma pesquisa do Data Folha, que tem uma metodologia bastante específica e trabalha com recall – a lembrança das pessoas de terem assistido os nossos programas, nos horários X, Y, Z e tudo mais, mas essa métrica de quanto cada produto conseguiu alcançar, a internet tem nos dado com mais apuro, né, então, também é importante pra, para os mantenedores ou pra quem tá financiando os projetos no Futura perceber logo a performance daquele conteúdo: se chegou, aonde chegou, como chegou, então eu diria que mudou essencialmente a nossa forma de fazer audiovisual. 

PROGRAME-SE: Como você analisa o perfil do público de hoje?

 

DÉBORA GARCIA: Eu vejo o público de hoje bastante voraz por conteúdos e bastante preocupado com rapidez de entrega desses conteúdos, preocupado com a variedade, até porque tem acesso a muita coisa, então, eu diria assim, até com um certo critério estético mais aguçado porque, por estar exposto a tantas novas modalidades de narrativa, pode exigir mais. Por exemplo, se você acompanha uma série americana, de TV, dessas séries que são aí mundialmente famosas, tipo Breaking Bad ou Game of Thrones, você ter uma experiência como essa e depois assistir a uma simples ficção, que não tenha todo aquele arrojo, parece que você tá assistindo uma coisa menor, uma coisa mais malfeita, uma coisa menos acabada. É desde o apuro do texto, que precisa ser mais instigante, desde a profundidade dos personagens, que também precisa aparecer, à excelência na captação, à inovação nessa forma de contar a história. Dá pra dar mil exemplos dessas séries mais recentes, do quanto que elas têm ousado, e muitas vezes superado até o cinema, que sempre foi um celeiro de informação, de novas tecnologias, desse uso diferenciado das tecnologias, passa hoje quase a correr atrás dessa TV 3.0, vamos dizer isso, que consegue ir lá pra frente, produzir com qualidade cinematográfica e ainda fazer cauda longa, e ainda fazer todo um trabalho que vai além da tela da TV e que continua ali. A série Game of Thrones tem o que, doze episódios por ano, mas você continua falando da série até que a nova temporada seja lançada no ano seguinte. Isso é, no mínimo, mágico. E no máximo, milionário, bilionário. Porque aquele conteúdo vai se pagando e pagando as futuras gerações, dada a sua grandeza, ou da sua qualidade ou o seu alcance. Então, o perfil desse consumidor de mídia é um consumidor voraz, multitela, antenado, com muito acesso ao conteúdo e que vai, certamente, exigir mais, de todas as mídias, não só da TV. Vai querer cada vez mais qualidade e possivelmente mais quantidade também.

PROGRAME-SE: Como você imagina que será a TV do futuro?

 

DÉBORA GARCIA: Olha, a TV do futuro já é uma TV na internet, uma coisa já não vai poder existir sem a outra. Hoje, o celular, por exemplo, é um dispositivo que você liga para alguém, vê o tempo, manda mensagem, manda foto, tira foto. A tela da TV vai precisar ser um agregador dessas funcionalidades todas também, além de conectar pessoas. Então, não vai bastar só ver, eu preciso ver e eventualmente ter telas ali do lado de pessoas que estão vendo comigo, em outras partes do mundo, que estão comentando. Esses comentários eventualmente serão incorporados pelas TVs para aprimorar esses conteúdos ou para dialogar com esses conteúdos, e tudo mais, quer dizer, tudo ao mesmo tempo agora, vamos dizer assim. Se tivesse um slogan da TV do futuro, seria um pouco por aí.

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