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PROGRAME-SE:  Qual a importância da telenovela hoje?

 

MARCÍLIO MORAES: A telenovela, no Brasil tem uma força muito grande, uma persistência. A primeira novela que eu fiz, quando entrei na televisão, vindo do teatro, Roque Santeiro, em 1985, logo que estreou, eu me lembro que um crítico, um estudioso de televisão, de comunicação, que fez uma análise dizendo que Roque Santeiro simbolizava o fim da telenovela no Brasil, a decadência da telenovela. Pra você ver como ele estava enganado. E era uma pessoa inteligente, uma pessoa que eu não vou citar o nome. A força da telenovela no Brasil é muito grande, ocupa praticamente todo o horário nobre, não sei se tem outro país que tem tanta telenovela. Ao mesmo tempo, eu acho que já começava a haver um declínio, não vai acabar, mas começa a entrar em declínio porque tem outras formas de dramaturgia, que vem acontecendo, como as séries basicamente, basicamente. Porque novela é um gênero limitado também, muito repetitivo, as tramas se repetem muito, os atores se repetem muito. É ela não é uma dramaturgia, assim, hoje, que pode se considerar de ponta. Considerando os seriados americanos, especialmente, ingleses, europeus, que têm uma força, como por exemplo, Game of Thrones, que faz uma estreia mundial, no mesmo horário todo mundo vendo, uma coisa espantosa. Então, eu acho que no Brasil a gente ainda está um pouco engatinhando com as séries, a novela ainda é muito preponderante. Mas eu acredito que esse quadro está começando a mudar. As audiências das novelas, mesmo tendo catorze, as audiências não são mais como eram há dez, vinte, trinta anos atrás. Tem TV a cabo né, tem internet, então, a televisão toda eu acho que vai mudar. Essa televisão, como a gente conhece hoje, com grade, aquela grade ali com todo mundo vendo coisa ao mesmo tempo tende a entrar em declínio. Acho que o que vai preponderar mesmo é você escolher a hora que quer ver o programa, o programa vai tá ali, a série tá ali, você escolhe se quer ver toda ela de uma vez, você escolhe se quer um capítulo por dia. Acho que essa escolha individual é o que vai prevalecer mais que essa televisão horizontal, assim, essa grade.

PROGRAME-SE: Como você analisa o perfil do público contemporâneo?

 

MARCÍLIO MORAES: Quem vai escrever uma telenovela tem um compromisso muito grande com o público. O público em geral, o público genérico, não é um público específico. Então, você tem que estar sempre pensando no público. Você faz uma novela pensando que aquilo vai agradar, vai se desenvolver... Você pensa a sinopse, você pensa todos os desdobramentos que você vai dar assim, todo o caminho que você vai conduzir o público, tem que tá pensado de antemão.  Às vezes muito se fala da influência do público. Influencia nesse sentido: você, ao escrever uma novela, planeja o que vai fazer. Eu vou ganhar o público com tal, o público vai se identificar com tal personagem, tudo mais, vai ter raiva do outro. Quando você erra, aí que acontece o problema. Quando esse cálculo dá errado e o público não gosta de quem você queria que ele gostasse, por exemplo, gosta do outro ou não gosta de nenhum, aí você então tem que mudar, tem que ficar fazendo pesquisa. Mas em princípio, você planeja isso, então, você tem que pensar o público. Na telenovela, tal como é feita no Brasil, ao vivo praticamente, uma coisa que vai ao ar enquanto você está escrevendo, você tem um feedback imediato. Então, essa relação com o público é imediata, direta. Quer dizer, hoje em dia vai haver mais dificuldade de ter, de ter esse público todo assim, toda essa audiência ligada ao mesmo tempo naquele horário. Isso aí, eu acho que vai se tornar mais difícil. Agora, a série não. A série você pode segmentar.

PROGRAME-SE: As séries estão, de certa forma, alterando o modo de o público se relacionar com as novelas e as demais produções ficcionais seriadas?

 

MARCÍLIO MORAES: As séries tomaram essa proporção assim de uns dez anos pra cá. Se bem que a estrangeira já tem força há muito tempo, mas no Brasil tem séries e minisséries, que a gente chama de seriado, aquele semanal e tudo mais. O primeiro que eu escrevi assim e foi ao ar, a primeira série foi Noivas de Copacabana, que eu fiz com o Dias [Gomes]. Mas já ali era uma série que fez sucesso, muito legal. Quer dizer, não tinha ainda esse universo internacional, das séries. Hoje essa linguagem já está mais presente por aí, as pessoas já veem as séries estrangeiras e elas se tornam mais exigentes. Do ponto de vista da escritura, de fazer a dramaturgia, a série eu acho muito melhor, quer dizer, é um desafio muito melhor, é uma dramaturgia muito mais apurada que você tem que desenvolver. O público também é desafiado. Você pode abordar temas que não seriam possíveis na novela, exatamente porque na novela você tem um compromisso mais genérico com um público mais genérico, então, se você pesar muito em um lado, você perde do outro, então você tem que mais ou menos procurar sempre um meio termo. Na série não, você pode entrar mais fundo nos problemas, pode se propor a discutir coisas e discutir de uma forma que não caberia numa telenovela. Eu acho muito bom. Eu fiz, na Record, A Lei o Crime, que foi muito bem, Fora de Controle, Plano Alto. Embora todas essas tenham feito bastante sucesso, eu não consegui a segunda temporada ainda. Plano Alto eu acabei de escrever a segunda temporada [2015], mas vamos ver se vai ao ar mesmo porque aí entra essa dificuldade de produção. A telenovela, para as empresas exibidoras, é uma maravilha porque, você conquista um público cativo, geralmente o público vai aumentando ao longo da novela, mais gente vai entrando ali, aquilo vai conquistando. Então, você tem um público crescente, faturamento crescente e, ao mesmo tempo, uma despesa decrescente. Porque já tá tudo contratado, os cenários todos feitos. Quanto mais esticarem, melhor, mais dinheiro vai entrar. E a série não. A série já exige mais, não tem essa facilidade, nesse ambiente no Brasil, tão dominado pela telenovela no horário nobre, a série às vezes encontra dificuldade. Não que os executivos das empresas não queiram, mas eles têm dificuldade nisso, encontrar ali uma brecha para encaixar na programação. Às vezes botam muito tarde, até pela temática também, pela temática ser mais ousada tem que ser mais tarde. Mas eu acho que aos poucos as séries vão conquistar horários melhores. O assunto hoje é muito mais séries, Game of Thrones, que ocupa um espaço de discussão muito mais que a telenovela ocupava antigamente. Acontecia com a novela das oito, agora das nove, aquilo ocupava toda a imprensa, os comentários, o papo das pessoas, hoje não acontece mais. Não tem esse prestígio mais, prestígio que está sendo ocupado pelas séries.

PROGRAME-SE: Como geralmente funciona o processo colaborativo de escrita das novelas?

 

MARCÍLIO MORAES: Olha, aí varia muito. Quando você fala assim, colaboração, é muito genérico e diferenciado. Por exemplo, quando você fala colaborador, o que se entende, basicamente, na prática mesmo, é o colaborador é o dialoguista, é ele quem faz o diálogo. Se, se também participa da elaboração da trama, aí já é um coautor. Das novelas que eu fiz, assim, colaborador mesmo eu em Roque Santeiro, que eu fazia mais diálogo, embora participasse também da elaboração das tramas. Mas aí eu acho que depende de cada caso. Eu, atualmente, partilho certas experiências complicadas com colaboradores, eu fecho muito comigo assim, controlo tudo, entendeu. Eu penso a sinopse, escrevo uma novela, escrevo os primeiros vinte, trinta capítulos, escrevo sozinho, mesmo o pessoal, o pessoal já vai acompanhando, mas eu escrevo. Depois eu faço o que a gente chama escaleta, que é a estrutura da novela, e aí eu passo para as pessoas. Mas eu controlo muito. Porque eu percebo que se não controlar a novela pode se perder um pouco, ficar frouxa. Mas há experiências boas. Escrever uma novela sozinho, eu acho maluquice. Como é que consegue, eu não consigo nem imaginar. Não consigo. Mesmo que eu centralize muito, eu preciso de alguém. Aquilo é muito grande. Trinca e cinco páginas todo dia, antigamente eram menores, as pessoas não percebem. Antes eram vinte e cinco, hoje são trinta e cinco.

PROGRAME-SE: Há maiores dificuldades hoje para lidar com certas temáticas?

 

MARCÍLIO MORAES: Eu acho que sim. Hoje está mais careta mesmo, está mais restrito. Se pensarmos em novelas que fiz, por exemplo, Mandala. Dias Gomes, o cara era doido, né? Achava que podia levar aquilo mas o público ia. Mandala foi uma experiência muito radical de incesto. Homossexualidade tinha nas novelas. A Mandala mesmo tinha. Argemiro era homossexual, tinha uma relação homossexual com o Laio. E Roda de Fogo também tinha o Mário. Mico Preto também tinha. E passava né. Novela das sete e ninguém morria por causa disso. Mas hoje, não. Hoje eu sinto que é mais complicado mesmo, se tornou mais difícil. Classificação indicativa é muito severa. A empresa está sempre com medo, aí eles vão reclassificar, como é que você vai mudar o horário de uma novela. Agora não pode mais às sete, tem que ir às nove. Quebra a emissora. Então, é uma coisa, é uma pressão muito forte né, e é uma bobagem porque você faz uma novela, você está ligado num público né, então você nunca vai fazer uma coisa que vai agredir o público. Senão, você perde aquele público. Então, quem escreve, é o primeiro a estar antenado nisso, limite do público, não é aquele negócio burocrático, tem cena que tem vinte por cento de sexo é pra dez anos, se tem trinta, é pra catorze, é por aí.

PROGRAME-SE: Quais as principais mudanças que a tecnologia causou em sua rotina de trabalho?

 

MARCÍLIO MORAES: A primeira novela que eu escrevi com máquina de datilografar. E começou a mudar. A partir da Mandala, já usava computador. Computador eu acho que a grande vantagem é a correção. Quando você escrevia ali aquela página, com o carbono, já fazia uma cópia e se quisesse mudar alguma coisa, você tinha que reescrever a página toda, tirar o papel, rasgar aquilo e reescrever. Se fosse uma coisinha pequena, dava para apagar, mas praticamente não reescrevia. Escrevia, estava feito. Com o computador não. Isso se tornou, em termos de escrita, muito mais fácil. Muito mais cômodo para quem escreve, acho que até a apura do diálogo fica melhor, você tem condições de dar uma relida, e ajeitar. Aí, do ponto de vista do impacto, da recepção, do feedback do público, a tecnologia também traz, se tornou mais rápido isso, quer dizer, mais intenso, a repercussão. Você escrevendo novela, você precisa ter a volta. O que é tá gostando, o que é que não tá gostando, a começar por você mesmo né? Escreveu, um mês depois tá no ar, você vê o capítulo no ar, você sente o que é que tá indo bem, o que que, a mulher ali do lado já comenta, o pessoal sai na rua e as pessoas comentam e agora com esse negócio de Facebook, Twitter, Instagram, então, tem uma recepção imediata.

PROGRAME-SE: Você costuma acompanhar a produção das suas tramas pela internet?

 

MARCÍLIO MORAES: Eu nem consigo e nem tento. Algum colaborador acompanha geralmente. No processo de criação, propriamente não.  A crítica de telenovela, para o crítico, é um pouco ingrata. Porque no primeiro capítulo ele já tem que escrever uma crítica ali e ainda vai ter cento e cinquenta capítulos depois, quer dizer, ele pode se equivocar inteiramente, e aí ele vai ter que fazer várias críticas, mas não influencia. É aquilo: você vai fazer a novela, você planeja a novela do começo ao fim, os traços gerais, básicos. Como é que você vai segurar o teu público? Se der tudo certo, você não precisa nem conversar com ninguém, se está dando tudo certo. Agora, quando dá errado, aí sim que esses todos veículos são muito importantes, você vai ouvir o que é que as pessoas estão dizendo, onde que tá furando, o que que tá dando errado, faz aquelas pesquisas.

PROGRAME-SE: O ritmo das narrativas está mudando?

 

MARCÍLIO MORAES: Eu acho que há uma exigência mais genérica, mais geral, que a coisa tenha um ritmo mais rápido, o mundo hoje é mais rápido. Você vê filmes da década de 60 hoje, o ritmo é inteiramente diferente. Acho que a telenovela também mudou o ritmo, antes era mais fácil. Os capítulos eram mais lentos, aquele close, aquele negócio, você tinha mais tempo para contar. Hoje, não. Agora eu não sei o quanto que ainda cabe de você tentar uma narrativa mais lenta, mais apurada, nem sei se se consegue, mas eu acho que ainda há possibilidade de conquistar um público com uma história bem armada, e você não precisa desse, desse frenesi, que também é chato, né, que também nunca é tanto assim porque ela lida com um público que acompanha também mais lentamente, às vezes não tá nem olhando, está ali na cozinha e está ouvindo a novela. Você escreve para essa pessoa também, o diálogo é um pouco repetitivo, a pessoa deixa de ver dois, três dias, e aí tem que repetir um pouco aquilo para não sentir que perdeu o rumo da história. É difícil também você botar um ritmo muito forte. Às vezes, tem o ritmo falso também. Muita novela tem o ritmo falso. Parece que aconteceu uma porção de coisas, mas não aconteceu nada, está tudo exatamente igual.

PROGRAME-SE: Quais seriam, então, os elementos fundamentais de uma boa trama?

 

MARCÍLIO MORAES: Essa é uma pergunta difícil. Embora a telenovela seja um gênero muito repetitivo, tenha aqueles padrões dramatúrgicos, assim, digamos estabelecidos, tem que ter o bem e o mal, o vilão... Uma fórmula para que a coisa dê certo é difícil, né? Eu acho que o básico na telenovela é a identificação. Você construir personagens com quem o espectador se identifique. É básico isso. Não adianta ritmo correndo, duzentas cenas por capítulo, se você não tem personagens ali cativantes, a coisa não vai pra frente. Quando você tem bons personagens, isso que eu digo, pode ser até mais lento, personagens que conquistam o público. Ou que se interessa por ele, quer saber o que vai acontecer com ele, pra mim, o básico é isso aí. É sempre com a identificação, a projeção, aí você tem que captar o que que naquele momento o espectador está querendo. Qual o rumo da coisa, se tal tipo de história vai dar certo ou não. Quando se identifica, você vai. Você prendeu o público ali, o público está identificado com aquilo, então você pode brincar à vontade, inclusive contrariar o público. O público está querendo que o cara se dê bem, você faz se dá mal e tal. Ele fica com raiva de você, mas tá ligado, já está identificado.

 

PROGRAME-SE: A linguagem também tem sofrido transformações. Como você pensa esse processo de mudança?

 

MARCÍLIO MORAES: Com essa linguagem internacional que se impôs, da série, que é muito concentrada, acontece muita coisa, e rápido, e você não tem um respiro, os acontecimentos são vários e vários ganchos. Então, você fazer uma série hoje, se fizer assim com aquele ritmo que a gente fazia antigamente, não dava. Não dá mais, hoje não pega. Você pega essas séries aí, Game of Thrones ou Homeland: uma surpresa em cada capítulo, isso aí exige ter conhecimento de dramaturgia, conhecer o assunto, você tem que ter bons atores, boa direção, um diálogo essencial, curto,

 

PROGRAME-SE: E quanto ao futuro da telenovela?

 

MARCÍLIO MORAES: É uma pergunta difícil, Eu acho que ela vai perder essa preponderância que ela tem hoje, mas o público está acostumado, o público gosta, eu acho que vai continuar tendo novela, talvez abrindo espaço para outro tipo de dramaturgia no horário nobre e isso aí vai implicar em alguma mudança. Uma coisa é você escrever uma novela ali, na Globo, por exemplo, que é uma novela que ainda tem um público, mesmo quando está baixo, é um público muito grande, é muita gente vendo aquilo ao mesmo tempo. E eu acho que isso exige um tipo de dramaturgia específico. Se diminuir, se a coisa não for tão decisiva assim, pode ser que você tenha novelas menores, por exemplo, com uma linguagem um pouco mais rápida, talvez um pouco mais segmentadas também, novelas de época e outras. O que eu acho é que vai ser difícil é isso, ter catorze daqui a dez anos. Ter catorze novelas no ar. Todo o horário nobre da televisão brasileira ocupado por novelas. Eu acho difícil que isso se sustente. Eu acho que as emissoras estão percebendo isso.

PROGRAME-SE: Mais fácil, então, falar no futuro da TV?

 

MARCÍLIO MORAES: É cada pergunta... difícil. Olha, a televisão brasileira, eu gostaria que fosse mais crítica, mais questionadora. Eu fico um pouco desanimado assim, você não tem programas de debate no Brasil, debate de ideias. A gente não tem isso. Tem um programa de entrevista, mas o debate, botar as pessoas para discutir, eu acho que não tem, acho que é isso que o Brasil precisa, a televisão brasileira, eu acho. Como ela vai ser, eu não sei, mas eu acho que precisa disso. Porque a novela, que é tão preponderante, favorece pouco isso. Não é um gênero pra você discutir coisas, vai sempre ficar ali no água com açúcar. Já impôs muito, década de oitenta, setenta, impunha mesmo, padrão de moda. Televisão sempre teve muito ligada às agências de publicidade, então todo comportamento está muito ligado. Hoje acho que menos, mais ainda influencia né? Ainda que no Brasil a gente tenha esse negócio das unanimidades, e tudo, você não tem nenhum país um programa que tenha uma audiência, ou pelo menos tinha, como a telenovela. O país inteiro, né? Cem milhões de pessoas. Outros países têm diferenças de língua. Estados Unidos. Os latinos veem um tipo de coisa, os outros veem um tipo de coisa. Ou na Índia, que tem várias línguas e cada província fala uma. Agora, no Brasil assim, eu acho que é difícil. Tanta gente vendo ao mesmo tempo. Eu acho que isso favorece, isso que favoreceu esse tipo de dramaturgia, mas eu acho que isso vai ser diferente no futuro.

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